terça-feira, 1 de dezembro de 2009

O Contencioso Administrativo podia viver sem o Regime da Responsabilidade Civil do Estado por Danos decorrentes da Função Jurisdicional? Podia, mas não seria, de todo, a mesma coisa, mamma mia!

É o que acontece em Portugal?

Acho que sim e por isso é que a justiça está cada vez mais opaca, lenta e, sobretudo, não se compreende como, na generalidade dos países europeus e nos EUA, casos mais complicados são resolvidos em menos de um ano e cá demoram cinco, como no processo Casa Pia - uma vergonha para a justiça, como acontece com outros casos. Pergunto porque é que são lançados como bombas na comunicação social e depois nada acontece.

(...)

Que vai contra o próprio direito?

Vai contra o direito, contra os princípios do Estado de Direito, contra a Constituição - que diz que a justiça deve ser célere - e contra a Convenção Europeia dos Direitos Humanos - por essa lentidão Portugal já foi condenado várias vezes no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos -, mas parece que ninguém faz nada. Ou, por outro lado, há uns quantos juristas que se convencem de que isso se resolve com alterações ao Código Penal e ao Código de Processo Penal, o que é um erro. O problema não está nas leis, mas na forma de as aplicar e na falta de uma grelha de tempos úteis que não deva ser ultrapassada.

entrevista com Freitas do Amaral, Diário de Notícias, 29 Novembro 2009

 

Ao prever e regular a Responsabilidade Civil Pública por Danos Decorrentes de Actos Jurisdicionais, o novo regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas [(RRcivilEE) Lei 67/2007, 31 Dezembro 2007 – que veio permitir harmonizar o regime substantivo da responsabilidade civil de acordo com a prévia uniformização jurisdicional (a propósito da Reforma de 2004, veja-se o art 4º, 1 g), h), i) do ETAF)] segue a lógica de que deve existir uma similitude entre esta responsabilização e a que decorre da verificação de factos ilícitos cometidos no exercício da função administrativa, tendo o legislador, nestes termos, determinado que se deveria aplicar às duas situações o mesmo regime jurídico, então colocando nas mãos do juíz a tarefa mais hercúlea: densificar e valorar os pressupostos de aplicação deste mesmo regime, como o que toca ao facto ilicíto e culposo, ao dano (incluindo a questão da prova do dano moral e a fixação do quantum debeatur) e ao nexo de causalidade adequada entre estes. De facto, pena é que o legislador não tenha ido mais longe e consagrado um regime específico da responsabilidade do Estado-juíz que incluísse requisitos específicos, isto tendo em conta as dificuldades tantas vezes experimentadas, em concreto, pelo aplicador, sobretudo a propósito dos pressupostos da ilicitude.

Assim sendo, neste contexto, e tendo presente a relação fisiológica que cada vez mais se impõe entre a jurisdição nacional e a europeia, nomeadamente, enquanto uma das pedras de toque da “confirmação” do Contencioso Administrativo (VASCO PEREIRA DA SILVA, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, 2ª edição, p. 106 ss) será de considerar justificado e necessário, de modo a levar a bom porto aquela tarefa, dar continuidade à utilização da designada “metodologia dialogante” empregue antes da entrada em vigor do novo RRcivilEE, recorrendo-se, pois, à Convenção dos Direitos do Homem (CEDH) e à jurisprudência de Estrasburgo de modo a encontrar as respostas mais adequadas.

Será, então, a partir da articulação do RRcivilEE com estes dois instrumentos, que o juíz administrativo deverá avaliar a violação de disposições ou princípios constitucionais, legais ou regulamentares e a ofensa de direitos e interesses legalmente protegidos decorrente do “funcionamento anormal do serviço” (ex vi art 2º RRcivilEE) por parte do Estado-juíz, quer este surja obrigado a título próprio ou solidário.

Ora, centrando-nos agora na “violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável” (ex vi art 12º,1 RrcivilEE), é de ter presente que a jurisprudência mais recente do Supremo Tribunal Administrativo (STA) tem vindo a entender, em consonância com a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH), que a violação deste direito, tutelado, designadamente, nos arts 20º, 4 e 268º, 4 e 5 CRP e arts 6º e 13º CEDH, pode constituir o Estado na obrigação de indemnizar, beneficiando, acrescente-se, nesse caso, o interessado de uma presunção natural de existência de um dano moral daquela decorrente.

Parte-se agora, sem nunca perder de vista o caso da violação do direito a decisão judicial em prazo razoável, para a supramencionada valoração dos pressupostos de cuja verificação depende a responsabilização do Estado-juíz, começando por se determinar qual seja aquele prazo razoável, isto é, qual o período de tempo dentro do qual, para aquele processo concreto, considerado na sua globalidade, seria expectável a emissão de uma decisão jurisdicional em tempo útil, a partir daqui se apurando se se está ou não perante um facto ilícito.

Neste sentido, dir-se-á ser imperativo que o aplicador sempre pondere as coordenadas do caso concreto, como a duração média daquela espécie de situação, a complexidade e ocorrência especiais, os incidentes suscitados, sendo de excluir o tempo de atraso injustificado que tenha ficado a dever-se à actuação da parte que requere a indemnização. Chegados aqui, há, ainda, que acrescentar que esta proposta de apreciação tem em conta, na senda do que vem sido decidido pelo STA (veja-se o acordão de 9.10.2008, P.319/08), a possível verificação de três situações distintas, a saber: a) situação em que é possível, de forma “clara e segura”, chegar à conclusão de que foi ultrapassado o prazo razoável, não devendo o juíz desenvolver um “método analítico de cada acto processual e respectivo prazo”; b) situação que pressupõe que, sem margem para dúvida, a duração do processo, se considera razoável, pouco interessando averiguar se num acto ou noutro há demora; c) finalmente, no caso de se suscitarem dúvidas quanto a concluir que foi ultrapassado, ou não, o prazo razoável, será conveniente analisar o cumprimento dos prazos processuais em cada acto da sequência que o compõe (embora não seja elemento exclusivo a ter em conta). Ademais, torna-se imperioso sintetizar que no caso de o juíz, atendendo às contigências do caso concreto, concluir pela irrazoabilidade daquele prazo, estando, pois, configurada a ilicitude, para o Supremo será fácil apurar a culpa: “a culpa resulta da ilicitude e do próprio facto de o serviço não funcionar de acordo com os standards de qualidade e eficiência que são esperados e constituem uma obrigação do Estado de Direito perante os cidadãos”.

Apurado que está que o novo RRcivilEE pode apresentar uma solução efectiva de reparação desde que o pressuposto de ilicitude seja interpretado e aplicado em conformidade com a jurisprudência constitucional e europeia, cumpre agora verificar que a mesma resposta pode ser dada no que ao pressuposto dano diz respeito.

Concentrando-nos, aqui, no dano não patrimonial, é de referir que o STA (Ac. 28/11/2007, P.308/07), em consonância com o TEDH (Ac. nº62361, 29 Março 2006 - caso Ricciardi Pizzati c. Itália) e com a CEDH e corroborado pela doutrina nacional (GOMES CANOTILHO, Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 123, nº3799, p.306; JORGE MIRANDA, Manual de Direito Constitucional, tomo IV, 1988, p.268; RUI MEDEIROS, Ensaio sobre a Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado por Actos Legislativos, p. 112), tem vindo a considerar - tendo, nomeadamente, presente o art. 22º CRP - que uma vez verificados os demais requisitos da responsabilidade civil extracontratual do Estado-juíz, beneficiará o interessado de uma presunção natural de existência de um dano moral decorrente do direito a decisão judicial em prazo razoável (dano in re ipsa). “A questão coloca-se quanto àquele dano psicológico e moral comum que sofrem todas as pessoas que se dirigem aos tribunais e não vêm as suas pretensões resolvidas por um acto final do processo”. A existência deste dano será um facto notório, nos termos do art. 514º CPC, ao ser do conhecimento geral, não carecendo, portanto, de prova, nem de alegação. Ainda assim, estará o juíz, neste caso, perante uma presunção ilidível por mera contra-prova (ex vi arts 346º e 351º CC). De acrescentar que, na circunstância de a parte que invoca a lesão alegar e procurar provar mais danos do que os notórios, mas não conseguir provar que os sofreu, nem por isso fica prejudicada no direito à indemnização que resulta da presunção natural de um dano moral relevante, salvo quando se provar, tal como já referido, que, em concreto, este não ocorreu (atente-se nos casos contra Portugal no Ac. 21 Março 2002, P.46462/99 e Ac. 29 Abril 2004, P.58617/00).

Por último, se esta “metodologia dialogante” que temos vindo a deslindar se afigura necessária no que concerne à valoração dos pressupostos ilicitude e dano, ela será, segundo a jurisprudência em análise, fundamental no que respeita à determinação do quantum debeatur. E a este propósito, ter presente a posição do TEDH significa tomar em consideração o “critério dos casos semelhantes ou da mesma espécie”, bem como ter actualizada a medida do quantum estabelecida para cada espécie de casos, sendo, aqui, paradigmático o caso Scordino c. Itália 1.

Ora, ainda no âmbito da indemnização que ao dano moral respeita, será a título de conclusão pertinente, tendo em conta a linha de orientação defendida pelo STA, a jurisprudência do TEDH e o facto de em Portugal a preterição de prazo razoável em matéria de decisão judicial não ser, de todo, situação excepcional, alertar para o reforço das finanças públicas, não sendo menos apropriado exclamar “os contribuintes que se cuidem, mamma mia!” (ISABEL FONSECA, Cadernos de Justiça Administrativa nº72, Novembro/Dezembro 2008).

 

1 O autor, cidadão italiano, recorreu da decisão de direito interno que fixou a sua indemnização por violação de prazo razoável em 600 euros/ano, quando, em casos semelhantes, o TEDH fixava um valor que podia variar entre 5000 e 7000 euros, tendo este tribunal vindo afirmar que, não obstante o juíz nacional ter uma certa autonomia que deve ser preservada, não deve, no entanto, tendo presente o princípio da subsidiariedade, deixar de “conformar a sua jurisprudência com a da Corte (europeia) também no que respeita à quantificação do dano e fixação da reparação.”

Filipa Cid Galveias 140104010 (turma 2)

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