quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

PETIÇÃO INICIAL DA EMPRESA CIMENTO & MADEIRA, S.A. – Turma 2

Exmo. Sr. Juíz de Direito

Do Tribunal Administrativo de Círculo de Sítio Nenhum

A Sociedade Construtora Cimento & Madeira, S.A., pessoa colectiva nº 189563100 com sede na Praça Caos Calmo, nº58, sita em Algum Sítio, de ora em diante designada por Autora, e neste acto representada pelas advogadas da “Sociedade Freud, Kakfa & Associados”, com domicílio profissional na Avenida dos Tira-Teimas, nº 10, onde recebe notificações e intimações,

vem, respeitosamente, nos termos dos arts 2º, 2 e 3º CPTA e art. 4º, 1 e) e f) ETAF, instaurar contra

Instituto das Estradas de Portugal, S.A., de ora em diante designado por IEP

e

Empresa Paisagens de Alcatrão, S.A., de ora em diante designada por EPA

Acção de Impugnação do Acto de Adjudicação do Contrato de Concessão e Empreitada da auto-estrada A/501 e Acção de Anulação do mesmo Contrato de Concessão e Empreitada, com estas se pretendendo, ainda, cumular Acção de Responsabilidade Civil Extra-Contratual contra o IEP;

Por esta via, apresenta-se, também, Requerimento de Providência Cautelar Conservatória, com vista à suspensão da eficácia do supramencionado contrato;

o que faz nos termos e pelos fundamentos seguintes:

I – DOS FACTOS

Em Fevereiro de 2008, o IEP lançou um concurso público com vista à construção da auto-estrada A/501 “Para Sítio Nenhum”.

À data da sua publicação foi apresentado o Programa de Concurso, compreendendo os critérios de ingresso e as características do processo de selecção do concessionário, assim como o respectivo Caderno de Encargos.

Apresentaram-se a concurso 20 concorrentes, nomeadamente a Autora – descrita como “concorrente nº 5” no Acórdão do Tribunal de Contas, p.16, que se junta em anexo - e Paisagens de Alcatrão, S.A.

O procedimento de selecção decorreu em duas fases, sendo a primeira de qualificação e avaliação das propostas e a segunda de negociações, nesta procurando-se melhorar as duas propostas na fase anterior seleccionadas e escolher, então, a Subconcessionária.

A empresa Paisagens de Alcatrão venceu o concurso público em causa com a classificação final, na 2ª fase, de 6,9, esta classificação final inferior à de 11,5 obtida pela autora na 1ª fase.

No dia 26 de Novembro de 2009, foi celebrado contrato público de empreitada e concessão da auto-estrada A/501 entre o IEP e a EPA.

No dia 7 de Dezembro de 2009, o Tribunal de Contas, no âmbito da sua competência de fiscalização prévia, considerou inválido tal contrato, assim recusando o respectivo visto prévio para início de obra.

Não obstante esta recusa, o IEP e o EPA não suspenderam as obras em curso, considerando não ter a decisão do Tribunal “qualquer alcance prático, pois apenas dificulta pagamentos, não impedindo que as obras continuem a decorrer com toda a normalidade”.

II – DO DIREITO

A Autora tem legitimidade activa, de acordo com os arts 9º,1 e 55º, 1 a) CPTA, a este propósito se ponderando a cumulação de pedidos que neste processo se opera e o cariz residual da acção administrativa especial face ao contencioso pré-contratual urgente, arts 100º, 1 in fine e 46º,3 CPTA.

10º

A IEP e a EPA têm legitimidade passiva plural, assim dispondo o art 10º, 1 e 7 CPTA.

11º

O acto de adjudicação em causa é impugnável, ao constituir uma decisão materialmente administrativa proferida por uma empresa pública – IEP -, tal nos termos do art 51º, 1 CPTA.

12º

De facto, o acto de adjudicação em causa e o seu respectivo processo de formação devem ser tido como inválidos, na medida em que foi, nomeadamente, violado o Programa do Concurso, no seu ponto 29, este dispondo que “o resultado das negociações não pode resultar na adjudicação de uma proposta, dos concorrentes que passaram à fase das negociações, em condições globalmente menos vantajosas para a EP do que as inicialmente propostas por aqueles mesmos concorrentes”, o que não se veio a verificar, tendo a EPA obtido nesta 2ª fase pontuação inferior à obtida pela Autora na 1ª fase. Ora, a natureza regulamentar deste documento, não raras vezes assinalada pelo Tribunal de Contas, implica que as suas disposições se devem manter estáveis durante o decurso dos respectivos procedimentos. Nestes termos, está, então, aqui em causa uma violação flagrante e ostensiva do Programa Do Concurso, colocando-se, assim, nomeadamente, em causa os princípios da estabilidade, da livre concorrência e da imparcialidade, isto para além de se estar perante um inegável agravamento do resultado financeiro do contrato celebrado, em tudo contrário, nos termos do art. 101º CRP, ao superior interesse público.

13º

O acto de adjudicação é, pois, anulável, articulando-se os artigos já elencados com os arts 135º CPA e 133º, a contrario, CPA e com o art 284º, 1 do Código dos Contratos Públicos.

14º

Essa impugnação deve ocorrer tendo em conta o contencioso pré-contratual urgente, previsto nos arts 100º ss CPTA. Transpondo para o ordenamento interno as Directivas Comunitárias nº 89/665/CEE, de 21 de Dezembro e nº 92/13/CEE, de 25 de Fevereiro, cria este regime condições para uma mais rápida solução dos litígios surgidos nos procedimentos pré-contratuais relativos a certos contratos, estes mencionados no art 100º, 1, entre os quais o contrato de empreitada de concessão de obras públicas. Trata-se, com efeito, de consagrar, tal como refere o Prof. Pedro Gonçalves 1, uma solução que, em tempo útil, viabilize a obtenção de uma decisão judicial de mérito que permita articular o interesse substancial dos concorrentes em contratar com a Administração com o interesse desta no andamento normal e célere do procedimento pré-contratual.

Acrescente-se que, sempre que está em causa a impugnação de actos administrativos relativos à formação de contratos constantes do referido art 100º,1, a adopção de processo urgente corresponde a um ónus.

15º

Quanto à tempestividade, é a presente acção proposta ainda não tendo decorrido um mês sobre a data em que a Autora foi notificada acerca do acto de adjudicação. Está, pois, preenchido, de acordo com o art 101º, o requisito da oportunidade no que toca a este processo urgente.

16º

Tendo em conta o art 47º, 2 c) CPTA (aqui invocado dado o supra-referido cariz residual da acção administrativa especial relativamente ao contencioso pré-contratual urgente), o contrato de concessão de obras públicas celebrado entre o IEP e a EPA é derivadamente inválido, ao resultar esta invalidade dos já apontados vícios de que padecem actos prévios, praticados no procedimento pré-contratual que precede a celebração do contrato.

17º

Nos termos do art 37º, 2 h), à acção de impugnação do contrato de concessão corresponderia acção administrativa comum (não se aplicando, aqui, os arts 102º, 4 e 63º, 2 CPTA na medida em que esta acção é interposta já depois de celebrado o contrato em causa 2). No entanto, estando em causa a cumulação com contencioso pré-contratual urgente, deverá ser outra a forma adoptada, como mais abaixo se descreve.

18º

No que toca à responsabilização do IEP pelos comportamentos lesivos adoptados durante o procedimento pré-contratual, ao verificar-se uma exclusão e adjudicação ilegal, pede a Autora indemnização no valor de X euros de forma a ser ressarcida da perda de oportunidade 3, encontrando-se preenchidos os requisitos dos quais a atribuição daquela depende. Vejam-se os arts 37º, 2 f) e 47º,1 CPTA e o art 4º, 1 g) ETAF, assim como a Lei 67/2007, de 31 Dezembro.

19º

No que toca à forma de processo a seguir, a responsabilização do IEP encontra-se consagrada no CPTA no âmbito da acção administrativa comum. Não obstante, também aqui será de introduzir alterações em função da cumulação de pedidos.

20º

No que diz , então, respeito à cumulação do contencioso pré-contratual urgente com a acção comum de impugnação do contrato e com a acção comum de responsabilidade civil, esta operar-se-á tendo em consideração os arts 100º, 1 in fine e 5º CPTA. O processo segue, portanto, enquanto acção administrativa especial, “com as adaptações que se revelem necessárias”, tendo-se em conta na sua tramitação uma articulação entre o regime do processo urgente e o regime da acção especial 4.

21º

Quanto à providência cautelar conservatória que segue em apenso, destinada a manter o status quo ex ante, conjugando os arts. 112º, 1 e 2, f), 120º, 1 b) e 128º CPTA encontra-se justificada a sua requisição, estando, designadamente, preenchidos os requisitos do periculum in mora, fumus boni iuris e proporcionalidade, aqui na vertente equilíbrio custo-benefício.

22º

Existe periculum in mora, aqui na sua vertente negativa, na medida em que “não [é] manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada” pela Requerente no processo principal, existindo, pelo contrário, fortes indícios de que a suspensão imediata da eficácia do contrato é necessária para impedir situações lesivas que, de outro modo, poderão resultar da mora do processo, como seja, a impossibilidade de à Requerente vir a ser adjudicado, eventualmente, por via de repetição de concurso, o contrato de concessão e empreitada da A/501.

23º

Verifica-se a existência de fumus boni iuris, ou seja, uma perspectiva de êxito por parte da Requerente no processo principal, tendo em conta todos os fundamentos de facto e de direito anteriormente expostos.

24º

Quanto à verificação do requisito da proporcionalidade, há que somar à invalidade derivada do contrato, o facto de se estar perante um agravamento flagrante e ostensivo do resultado financeiro do contrato celebrado, em tudo contrário, nos termos do art. 101º CRP, ao superior interesse público, tal como já mencionado no artigo 11º desta petição. Então, tendo tal presente, e sob pena de o interesse da Administração sempre sobrestar ao interesse do particular, aqui a Requerente, há que ter em conta a linha doutrinária e jurisprudencial que se tem vindo a mostrar consensual no sentido de que, só não haverá proporcionalidade, no caso de da não realização atempada do objecto do contrato decorrer um “estado de necessidade administrativo”. Efectivamente, esta é a interpretação que se mostra mais conforme à Constituição, só assim se operando a tutela jurisdicional efectiva garantida pelo art 268º, 4 da Lei Fundamental. Então, não se perspectivando como da aprovação da providência poderia resultar aquele “estado de necessidade”, há, aqui, portanto, proporcionalidade.

III – DO PEDIDO

25º

Nestes termos, e demais de direito aplicáveis, deve a acção ser julgada procedente e, consequentemente, serem o IPA e a EPA, condenados nos pedidos aqui apresentados.

Valor: Y euros

Juntam-se: três documentos, providência cautelar, procuração, cópia e duplicados legais.

As Advogadas,

Filipa Cid Galveias

Joana Andrade

Joana Barreto

Mara Franco

Algum Sítio, 16 de Dezembro de 2009

1 in Cadernos de Justiça Administrativa, p. 3 ss, nº 44, 2004

2 veja-se Acórdão TCA Sul, 10.09.2009, P. 05305/09

3 veja-se o Acordão TCA Norte, 9.11.2006

4 tal como propõe a Prof.ª Maria João Estorninho, in Direito Europeu dos Contratos Públicos, p.400 ss

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