segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Mais uma vez as concessionárias...

Voltando à hipótese de simulação e continuando a suscitar as perplexidades que a posição das concessionárias causam irei suscitar algumas questões (algumas colocadas anteriormente mas agora desenvolvidas) nos pontos I, II e III.
Nos pontos IV, V e VI irá cuidar-se, respectivamente, da susceptibilidade de recurso da decisão do Tribunal de Contas, da possível condenação do TC à prática de acto devido e da acção de responsabilidade civil (vide petição inicial da turma 5 por parte da sub-concessionária “Paraíso de Alcatrão).


I- Da imperativadade (ou não) do Programa de Concurso


Cumpre analisar a questão, dado que, o nº 28 do Programa de Concurso para subconcessão da auto-estrada transmontana estabelece no seu nº1 que “a fase das negociações visa atingir uma melhoria das propostas seleccionadas e tem como resultado final a minuta do contrato de subconcessão e os respectivos anexos” e no seu nº2 “o resultado das negociações não pode resultar em condições menos vantajosas para o Concedente do que as inicialmente propostas (...)”. Mas será que o Programa de Concurso tem alguma vinculatividade? Pela acção das concessionárias poderia parecer que é algo feito apenas (perdoe-se a discriminação) “para inglês ver”. Sucede que o Programa de Concurso é um regulamento visando colmatar as eventuais insuficiências ou a imprevisões decorrentes da Lei base e tem, consequentemente, natureza imperativa (vide Acórdão do Tribunal Central Administrativo de 28-10-2004).


II – Da alteração das circunstâncias

As concessionárias fundaram esta sua pretensão no Decreto-Lei nº 59/99 (Regime jurídico das empreitadas de obras públicas) entretanto revogado pelo Código de Contratos Públicos. Abstraindo da posição defendida por DIOGO FREITAS DO AMARAL, ESTEVES DE OLIVEIRA, ANDRADE DA SILVA e MENEZES CORDEIRO, de forma unânime pela impossibilidade de aplicação da alteração das circunstâncias ao processo negocial conducente à celebração de contrato, dir-se-á que, por lapso, as concessionárias ter-se-ão esquecido de referir que o nº 198º do referido Decreto-Lei que se passa a citar “quando as circunstâncias em que as partes hajam fundado a decisão de contratar sofram alteração anormal e imprevisível, de que resulte grave aumento de encargos na execução da obra que não caiba nos riscos normais, o empreiteiro terá direito à revisão do contrato para o efeito de, conforme a equidade, ser compensado do aumento dos encargos efectivamente sofridos ou se proceder à actualização dos preço” surge a propósito da epígrafe “Não cumprimento e revisão do contrato”!
Acrescente-se que, se o Código dos Contratos Públicos (CCP) já estivesse em vigor também não haveria dúvida possível, no preâmbulo do diploma refere-se “que o contrato deve implicar uma significativa e efectiva transferência do risco para o concessionário”, ou seja, a alteração a existir estaria dentro da álea a ser suportada pelas partes. No artigo 74º do CPP também está patente o facto do critério de adjudicação ser feito segundo um de dois critérios ou o da proposta economicamente mais vantajosa para a entidade adjudicante ou o do mais baixo preço, donde se retira ir contra a mais elementar ideia de justiça que se apresente uma determinada proposta para depois se retirar os atractivos que esta inicialmente tinha (tal é inconcebível quer face aos concorrentes na relação multilateral quer face ao concedente). Contudo, não era o CPP que estava em vigor à data dos factos, mas sim o Decreto-Lei que estabelecia o Regime Jurídico das Empreitadas de Obras Públicas e que tinha uma disposição bastante interessante de que as concessionárias, convenientemente, também se esqueceram. Assim, passo também a citar o artigo 58º do referido decreto-lei “são proibidos todos os actos ou acordos susceptíveis de falsear as regras de concorrência, sendo nulas as propostas, os pedidos de participação ou as decisões apresentadas, recebidas ou proferidas, devendo as mesmas ser rejeitadas e os concorrentes excluídos.


III - Da aplicabilidade do Decreto-Lei nº 86/2003 de 26 de Abril (Regime Jurídico das Parcerias Público-Privadas)

Até a Estradas de Portugal reconhece que as exigências materiais e os princípios constantes do diploma se aplicam mas só no que se refere às normas de cariz estritamente substantivo, sendo que, a Estradas de Portugal pretende, entre outras coisas, a inaplicabilidade do artigo 8º (que obrigava a EP a ter sido assistida por uma comissão de acompanhamento com a finalidade de preparar e avaliar previamente o projecto). A EP fundamenta esta sua pretensão numa exclusão que o próprio diploma faz do seu âmbito de aplicação, referindo o nº 6 do artigo 2º do Decreto-Lei que “as parcerias público-privadas promovidas por empresas públicas sob a forma societária devem observar, com as devidas adaptações, as exigências materiais e os princípios constantes do presente decreto-lei, designadamente as resultantes dos artigos (...). É verdade que o nº6 do artigo 2º não mencionava o artigo 8º, mas é também verdade que a palavra a reter é “designadamente”. O artigo 8º não é estritamente procedimental tendo ínsito o princípio de que as parcerias público-privadas devem ser escrutinadas.



IV – Da susceptibilidade de recurso para o STA

Neste ponto vi agora que uma colega já se antecipou, contudo, em jeito de complemento dir-se-á que, na acção que a “Paraíso de Alcatrão quis intentar contra o Tribunal de Contas no STA não está sequer em causa uma acção (porque havendo decisão jurisdicional prévia de outro tribunal tratar-se-á, na melhor das hipóteses de recurso.
Dir-se-á também que o Tribunal de Contas é um verdadeiro Tribunal (tal resulta nomeadamente do artigo 214º da CRP) sendo o Tribunal de Contas uma jurisdição diversa da dos Tribunais Administrativos (vide nº3 do artigo 1º da LOPTC). O Tribunal de Contas tem competências administrativas e jurisdicionais não chocando que, no que concerne ao exercício de competências administrativas pudesse haver recurso para o STA. Contudo o Tribunal de Contas, quando emite visto, fá-lo no exercício de uma competência jurisdicional assim sendo insusceptível de recurso para o STA (questão diversa seria o recurso para o Tribunal Constitucional). Nesse sentido, o próprio STA no Acórdão nº 041969 de 18 de Junho de 2003 “O Tribunal de contas enquanto “órgão supremo de fiscalização da legalidade das despesas públicas, ao conceder ou recusar o visto, fá-lo ao abrigo de uma competência jurisdicional própria”, “a recusa de visto pelo Tribunal de Contas a acto administrativo a ele sujeito, ainda que essa recusa possa sofrer de eventuais ilegalidades, por ser da competência jurisdicional exclusiva desse tribula, não pode ser questionada em sede de jurisdição administrativa”

V – Da condenação à prática de acto devido

Este ponto não é sequer controvertido. O Tribunal de Contas tem a sua própria Lei de Processo não lhe é aplicável o CPTA.

VI – Da responsabilidade civil

O facto do Código de Processo Civil ser aplicável no âmbito de uma acção comum não acarreta a aplicação do Código Civil. Não se pode sequer demandar um tribunal, quanto muito, pode intentar-se acção contra o Estado recorrendo ao diploma que prevê a Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado, in casu, por danos resultantes do exercício do poder jurisdicional.
Contudo, a situação é caricata! Não há dano nem ilicitude, o TC tinha o dever de negar o visto prévio. Por tudo o que se expôs, dano haveria e para todos os contribuintes se o visto tivesse sido concedido!

1 comentário:

Contencioso Administrativo 2009 disse...

Peço desculpa pelo duplicado mas esqueci-me da etiqueta no primeiro post.