segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

[Contestação à Petição Inicial avançada pela turma 5]


Proc. n.º 007/09





CONTESTAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO
NA ACÇÃO ESPECIAL DE CONDENAÇÃO À PRÁTICA DE ACTO DEVIDO,
PROPOSTA POR "PARAÍSO DE ALCATRÃO, S.A.":



I – DO PATROCÍNIO JUDICIÁRIO – INTERVENÇÃO DO MINISTÈRIO PÚBLICO


1.º
De acordo com o disposto no artigo 219.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP), e no artigo 1.º do Estatuto do Ministério Público, aprovado pela Lei n.º 47/86, de 15 de Outubro, o Ministério Público representa o Estado, o que constitui fundamento para a sua intervenção na presente acção, na sequência de citação operada na pessoa do Meritíssimo Senhor Presidente do Tribunal de Contas.


II – POR EXCEPÇÃO:


A - DA FALTA DE PERSONALIDADE JUDICIÁRIA

2.º
A acção é proposta contra o Tribunal de Contas, órgão supremo de fiscalização da legalidade das despesas públicas (artigo 214.º da Constituição da República), entidade que não goza de personalidade jurídica, nem desfruta de personalidade judiciária.

3.º
A falta de personalidade judiciária determina a absolvição da instância, nos termos do artigo 288.º, n.º, 1, alínea c), do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi do n.º 2 do artigo 35.º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA).


B - INCOMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA

4.º
A Autora insurge-se contra a recusa do visto prévio no contrato de concessão visando a construção e exploração da Auto Estrada A/5401, decidida pela 1.ª Secção do Tribunal de Contas, em subsecção, no exercício da competência definida no artigo 77.º, n.º 2, alínea a), da Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas (LOPTC), aprovada pela Lei n.º 98/97, de 26 de Agosto (com sucessivas alterações).

5.º
Sucede que as decisões finais de recusa do visto devem ser impugnadas, se for o caso, para o plenário da 1.ª Secção do Tribunal de Contas, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 96.º da LOPTC, e não perante o Supremo Tribunal Administrativo, como entendeu fazer a Autora.

6.º
Esta situação configura claramente uma excepção de incompetência absoluta, por infracção das regras da competência em razão da matéria, circunstância que, de acordo com as disposições conjugadas dos artigos 35.º, n. 2, da Código do Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 101.º e 105.º do Código do Processo Civil (CPC), determina a absolvição do Réu da instância.



C - INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL

7.º
Como já se referiu, a Autora insurge-se contra a recusa do visto prévio no contrato de concessão visando a construção e exploração da Auto Estrada A/5401, decidida pela 1.ª Secção do Tribunal de Contas sem que, no entanto, apresente quaisquer razões de facto e de direito de tal pretensão.

8.º
É evidente que não basta afirmar-se terem sido «realizados todos os procedimentos formais necessários, previstos no Código dos Contratos Públicos», como afirmqa a Autora.

9.º
A manifesta falta de indicação dos fundamentos de facto da acção configura falta da causa de pedir, geradora de ineptidão, em conformidade com o disposto no artigo 193.º, n.º 2, al. a), do CPC, o que determina a nulidade de todo o processo e consequente absolvição da instância, nos termos do artigo 288.º, n.º 1, alínea b), do CPC.

III – POR IMPUGNAÇÃO

10.º
A actividade do Tribunal de Contas no âmbito da sua competência de fiscalização prévia, realizada nos termos dos artigos 5.º, n.º 1, alínea c), e 44.º e segs., da LOPTC, é uma autêntica actividade jurisdicional e não uma actividade administrativa, como a doutrina tem considerado.

11.º
De facto, como salienta SOUSA FRANCO, «o critério do tribunal ao conceder o visto é sempre um critério de estrita legalidade, nunca um critério de apreciação de oportunidade ou conveniência» (Finanças Públicas e Direito Financeiro, vol. I, 4.ª edição, Almedina, Coimbra, 1993, p. 461). O visto constitui um verdadeiro acto jurisdicional, surgindo num processo no qual se aplica o direito a uma situação que se considera, por natureza, controvertida.

12.º
No caso da concessão da Auto Estrada A/5401, cuja adjudicação foi efectuada à Autora, o Tribunal de Contas encontrou fundamentos para recusar o visto, na medida em que detectou inúmeras situações de desconformidade do procedimento contratual com normas legais imperativas o que determina a respectiva ilegalidade (vide artigo 44.º da LOPTC).

13.º
Aliás, a ilegalidade do procedimento, geradora, por si só, da recusa do visto prévio, é afirmada pela própria Autora quando afirma, no artigo 5.º da sua PI que «o arranque da obra (...) já teve lugar», na medida em que o início da obra só poderia ter lugar após a fiscalização prévia do contrato realizada pelo Tribunal de Contas.

14.º
Por outro lado, em parte alguma da PI apresenta a Autora os pressupostos de facto da responsabilidade civil do Estado.

15.º
Desconhecendo-se em absoluto as razões de facto e de direito que levam a Autora a peticionar uma quantia de 10.000.000, 00 €!

16.º
De todo o modo, afirma-se a total falsidade do alegado «dolo» na recusa do visto pelo Tribunal de Contas. Trata-se de afirmação completamente destituída de sentido e profundamente ofensiva a um órgão jurisdicional consagrado na Constituição e que a comunidade tem prestigiado.



Nestes termos,

Devem ser julgadas procedentes as excepções da falta de personalidade judiciária, da incompetência em razão da matéria e da ineptidão da petição inicial deduzidas e, em consequência, ser o Estado absolvido da instância - artigos 288.º, n.º, alíneas a), b) e c), e 493.º, n.º 2, do CPC;


E, de todo o modo, quanto à matéria da impugnação, deve a acção ser julgada não provada e improcedente e, em consequência, ser o Réu absolvido do pedido.



O Ministério Público


(Sara Younis Augusto de Matos)

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