quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Petição Inicial - Acção Pública - Turma 3

Exmo. Senhor
Dr. Juiz de Direito do Tribunal Administrativo de Sítio Bastante,

O Ministério Público, através dos seus representantes, que a esta subscrevem, no uso das suas atribuições legais, nos termos do artigo 9.º n.º 2 do Código do CPTA, vem, perante V. Exa., intentar contra:

o Instituto Estradas de Portugal (IEP), Instituto Público, com sede em Praça da Infância Traumática, 1006021 Seixal – Fernão Ferro

e

a Empresa Paisagens de Alcatrão SA (EPA), pessoa colectiva n.º 140 106 083, com sede na Avenida da Esquizofrenia Contenciosa, n.º 30, Pedrógão Grande

acção comum de condenação à abstenção de comportamentos, sob a forma ordinária e acção de declaração de invalidade de contrato administrativo

a que procede nos termos e com os fundamentos seguintes:

§ 1 – DOS FACTOS:

1.º
No dia 22 de Setembro de 2009, e após lançamento de concurso público realizado pelo Instituto Estradas de Portugal, de acordo com o disposto na resolução de Ministros nº000/o8, de 13 de Janeiro, deu-se a celebração dos contratos públicos de empreitada e de concessão da auto-estrada A/5401 “Para sítio nenhum”, com a extensão de 25 km, à Empresa Paisagens de Alcatrão SA.

2.º
No passado dia 4 de Dezembro, veio o Tribunal de Contas recusar a concessão de visto prévio à obra, com fundamento na invalidade dos contratos acima referidos. Na sentença proferida, invocou-se a razão prevista na alínea b) do n.º3 do artigo 44.º da Lei nº98/97, de 26 de Agosto, ou seja, a sujeição a encargos sem cabimento consubstanciada por estes negócios jurídicos.

3.º
Não obstante, o Instituto de Estradas de Portugal e a empresa construtora, “Paisagens de Alcatrão”, recusaram o cumprimento da decisão do tribunal, alegando que ela “não tem qualquer alcance prático, pois apenas dificulta os pagamentos, não impedindo que as obras continuem a decorrer com toda a normalidade”.

4.º
As obras prosseguiram até à data.

5.º
A construtora Auto-Betão, preterida no concurso público, veio, entretanto, intentar acção em ordem a forçar o cumprimento da sentença do Tribunal de Contas.

§ 2 – DO DIREITO:

6.º
Nos termos do artigo 9.º n.º 2 do CPTA, é concedida ao autor público a qualidade de sujeito activo de Contencioso Administrativo, na sua dimensão de função predominantemente objectiva, de tutela da legalidade e dos interesses públicos, que agora se pretende realizar de forma imediata.

7.º
Nessa medida, incumbe ao Ministério Público prosseguir a tutela objectiva de bens e valores constitucionalmente protegidos, nomeadamente nos domínios do urbanismo, do ordenamento do território, do ambiente e do património cultural, como se extrai do já referido artigo 9.º n.º 2.

8.º
Nos termos do citado preceito, goza o autor de legitimidade activa para intentar acção pública, sendo que, uma vez que se está em sede de acção comum, nenhum problema se suscita quanto à tempestividade, por a regra ser, nos termos do 41.º, n.º 1 do CPTA, a de que a acção pode ser proposta a todo o tempo.

9.º
A primeira questão respeita ao problema de saber quais os efeitos da falta de concessão de visto prévio por parte do TC. Na verdade, é a própria lei que, no artigo 45.º, n.º 1 e n.º 2 da, dispõe que, quanto aos “contratos sujeitos à fiscalização prévia do Tribunal de Contas”, “a recusa do visto implica apenas ineficácia jurídica” dos mesmos, “após a data da notificação”. Donde que a recusa do visto prévio, decorrente da existência, sustentada pelo TC, de vícios de natureza formal e material no contrato de concessão – e note-se, a propósito, que o critério da concessão terá sempre de ser um critério de legalidade, logo jurídico, e nunca uma opção política, assente em considerações de oportunidade e mérito –, deva conduzir à imediata suspensão das obras de construção da auto-estrada A/5401 “Para Sítio Nenhum”, nos termos do artigo 37.º, n.º 2, c) do CPTA, por estar em causa a própria legalidade da empreitada e concessão.

10.º
Doutra banda, certo é que, na base da decisão do TC, terá estado, entre outras razões, o entendimento de que estes contratos de empreitada e concessão comportariam um insustentável empolamento dos custos. Prescreve, não sem consequências de maior sobre o tema de que ora se trata, o artigo 101.º da CRP que “o sistema financeiro é estruturado por lei, de modo a garantir a formação, a captação e a segurança das poupanças, bem como a aplicação dos meios financeiros necessários ao desenvolvimento económico e social” [sublinhado nosso]. Outra não poderia ser, num Estado de Direito, a indicação dada pela Lei Fundamental ao poder político em matéria de despesa pública. Soma-se, assim, à desconformidade do procedimento contratual com normas imperativas de natureza formal, o facto de em causa estar a defesa do interesse público respeitante à utilização e disposição dos dinheiros dos contribuintes. Aqui, estaremos já, é certo, no plano da valoração político-jurídica da oportunidade e da razoabilidade de tal empreendimento – valoração a que atribuímos conteúdo negativo. Deste modo, não se vislumbra que a consequência que pese sobre tais contratos seja outra que não a obtenção de sentença constitutiva de declaração de invalidade, segundo o disposto nos artigo 37.º, n.º 2, h) e 40.º, n.º 1, b) do CPTA, por violação do princípio da proporcionalidade – na medida em que o interesse geral da edificação de uma sofisticada e ampla rede de comunicações não poderá nunca autorizar um dispêndio excessivo de fundos públicos –, com a consequente nulidade, nos termos do 284.º, n.º 2 do CCP e 133º, n.º 2, d) do CPA, ou, no mínimo, anulabilidade, de acordo com artigo 284.º, n.º 1 do CCP.

§ 3 – DO PEDIDO:

11.º
Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exa. doutamente suprirá, deve a presente acção ser julgada procedente, com a consequente declaração de invalidade do contrato e condenação dos réus à abstenção do comportamento, isto é, a cessação imediata das obras.

Os Procuradores Adjuntos

Catarina Gamito
Teresa Street de Arriaga e Cunha
Francisco Guerreiro Nunes
Francisco de Oliveira Pegado
Luís Froes

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