sábado, 31 de outubro de 2009

Breve Estudo Sobre o Contencioso Administrativo Espanhol


O ano de 1845 marca a data de nascimento do Contencioso Administrativo em Espanha, com a presença de fortes traços advindos das revoluções liberais francesas. Surge assim um sistema de Justiça reservada, em que cabia aos órgãos do contencioso (os Conselhos Provinciais e o Conselho de Estado) a emissão de simples pareceres, sujeitos a homologação do executivo. Mais tarde com a reforma de 1888, com a chamada “Ley Santamaría de Paredes”, os “pareceres” desses órgãos passam a “decisões”, sendo instaurado o sistema de justiça delegada.
Contudo, foi desde a Lei de 27 de Dezembro de 1956 que o Direito Contencioso Administrativo Espanhol ganhou as características que tem hoje. Considera os tribunais administrativos como tribunais especializados dentro do poder judicial, e aposta na especialização dos seus magistrados.
Com o surgimento da Constituição de 1978 são garantidos plenamente os postulados de Estado de Direito, e entre eles o direito a todas as pessoas de tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos e interesses legítimos, a submissão da Administração Pública à Lei e ao Direito, verifica-se através do correlativo controlo jurisdicional.
A Lei 29/1998 de 13 de Julho (“Ley Reguladora de la Jurisdicción Contencioso-Administrativa”), surge assim para realizar as disposições da nova Constituição, também como por exigência da União Europeia, dando mais abertura para apreciar qualquer comportamento ilícito da Administração Pública.
A Reforma do Contencioso Administrativo foi contínua e renovadora. Contínua porque mantém a natureza estritamente judicial da anterior legislação; mantém o carácter de julgamento entre as partes e da segurança individual e controle da submissão da administração ao direito, pois a reforma quis conservar toda a prática que tem funcionado bem, mas de acordo com os novos imperativos constitucionais.
A Lei de 1998 contempla um só processo contencioso administrativo ordinário, no âmbito do qual se dirimem os pedidos e causas de pedir. Mas como se reconhece na Secção V do seu relatório preambular, a diversidade das pretensões que podem ser deduzidas no quadro dessa forma de processo – sintomaticamente chamada ainda recurso contencioso-administrativo – não permite configurá-la como uma acção processual uniforme. Sem embargo das suas características comuns e da singularidade do “nomem iuris”, o processo admite modulações de relevo em função do objecto sobre que recai. Na verdade, ele recobre quatro meios processuais de plena jurisdição: o Tradicional, dirigido contra actos administrativos; o que versa sobre a legalidade de actos normativos (tem por objecto a impugnação directa ou indirecta de disposições de carácter geral); o recurso contra a inactividade da Administração e aquele que se interpõe contra actuações materiais constitutivas de facto.
Quanto à regulamentação da tutela cautelar, merece particular atenção pela pluralidade de medidas que a Lei permite ao Órgão Judicial de tomar, dando a possibilidade de adoptar medidas cautelares positivas (artigo 129.º) e porque alterou substancialmente o critério do Juiz ou do Tribunal para decidir sobre a medida a adoptar, refutando a regra anterior que mantinha como norma geral a suspensão do recurso e a possibilidade de acordar a suspensão quando a execução viesse a ocasionar danos ou prejuízos de reparação impossível ou difícil. A Lei estabelece dois modelos de sistemas distintos de tutela cautelar: as medidas cautelares de regime comum, aplicáveis quando o objecto do recurso é um acto administrativo ou um regulamento, e as medidas cautelares de regime especial, previstas para as supostas omissões administrativas e a vias de facto.
Concluindo, a reforma do Contencioso Administrativo em 1998, trouxe uma maior constitucionalização e europeização da Justiça Administrativa, criando um sistema mais protector e efectivo dos direitos dos particulares.
Bibliografia:

  • PEREIRA DA SILVA, VASCO, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise -Ensaio sobre as Acções no Novo Processo Administrativo, Coimbra, Novembro de 2005.

  • C. CHINCHILLA MARIN, “Las Medidas Cautelares en el Processo Contencioso-Administrativo en Derecho Espanol;, en Damsky, Isaac Augusto (h), López Olvera, Miguel Alejandro y Pérez Cruz, Xóchitl Raquel G. (coords.), Las medidas cautelares en el proceso administrativo en Iberoamérica, México, Asociación de Magistrados de Tribunales de lo Contencioso Administrativo de los Estados Unidos Mexicanos A. C., 2009, http://www.amtcaeum.com. mx/archivos/Libros/medidascautelarias/4.pdf

  • ALCUBILLA, ENRIQUE ARNALDO, Jurisdicción contencioso-Administrativa – Comentarios a la ley 29/1998, de 13 de Julio, Reguladora de la Jurisdicción Contenciosa-Administrativa.

  • Ley 29/1998, de 13 de Julio, Reguladora de la Jurisdicción Contenciosa-Administrava.

O Contencioso Administrativo pelas terras de Simão Bolívar




Conceda-se-me algumas linhas para a explicação da minha escolha: a opção de versar um pouco sobre o contencioso administrativo venezuelano não é inocente: na qualidade de madeirense, escolhi um país onde a presença portuguesa e, sobretudo, madeirense é, ainda hoje, bem marcante (a presença portuguesa na região data do século XVI, mas foi nas décadas de 40 e 50 do século passado que se registou um maior influxo de emigrantes portugueses, dos quais a esmagadora maioria era natural da Madeira, de Aveiro e de Coimbra). Devo, aliás, dizer que não conheço nenhum madeirense que não tenha ainda ou que não tenha já tido parentes na Venezuela e até um dos 23 estados venezuelanos recebeu o nome de Estado Portuguesa, em 1864. Pois bem, porque esse quase meio milhão de portugueses usufrui diariamente dos serviços da Administração Pública venezuelana, considero justificada a minha escolha.

A noção de contencioso administrativo na Venezuela:

Em sentido lato, entende-se por contencioso administrativo: “O conjunto de litígios nascidos dos actos administrativos e das operações materiais da Administração contrários ao Direito.” Em sentido restrito, traduz o conjunto de regras jurídicas que regem a solução pela via jurisdicional dos litígios administrativos”.

Também nas palavras de Auby y Drago, o processo administrativo caracteriza-se pela presença de um sujeito activo - El Administrado (denote-se o uso de uma expressão de cariz ainda autoritário) - e de um sujeito passivo (La Administración) e a resolução do conflito é feita por um órgão independente e imparcial com poderes para restabelecer a ordem jurídica ( Tribunal de lo Contencioso- Administrativo).

O contencioso administrativo na Venezuela, é, pois, composto, à semelhança de Portugal, por um conjunto de órgãos judiciais encarregados de velar pelo cumprimento do princípio da legalidade por parte da Administração Pública, isto é, nos actos e relações jurídico-administrativas originadas pela actividade administrativa.

Origem da jurisdição administrativa na Venezuela:

O surgimento do contencioso administrativo na Venezuela ocorre de forma quase contemporânea com o início da República, pois foi a Constituição de 1830 que, pela primeira vez, consagrou a competência da Corte Suprema de Justicia para “conocer de las controvérsias que resulten de los contratos o negociaciones que celebre el Poder Ejecutivo por sí solo o por médio de agentes”. Mas a maioria dos autores considera que o contencioso administrativo surge na Venezuela com a Constituição de 1925, que afirma critérios básicos que configuram um sistema contencioso administrativo, nomeadamente em matéria de contencioso de anulação. Josefina Calcaño de Temeltas aponta para o nascimento do contencioso administrativo, enquanto sistema, na Constituição de 1931: aí se consagrou de forma inédita a excepção de ilegalidade oponível a todo o tempo, um prazo de caducidade para o exercício do recurso contencioso administrativo de anulação (13 meses) e a ampliação a qualquer caso de ilegalidade ou situação de abuso de poder dos actos administrativos, isto é, começa-se a falar de um contencioso administrativo geral acentuando a matéria das demandas contra entes públicos e o âmbito contratual. A expressão “procedimiento Contencioso-administrativo” foi usada, pela primeira vez, na Constituição de 1947.

A base constitucional do contencioso administrativo na Venezuela:

O artigo 259.º da Constituição da República Bolivariana da Venezuela de 1999, aprovada por referendo popular em 15 de Dezembro de 1999 e que entrou em vigor no ano de 2000, consagra a jurisdição administrativa na Venezuela, quando dispõe:

La jurisdicción contencioso administrativa corresponde al Tribunal Supremo de Justicia ya a los demás tribunales que determine la ley. Los órganos de la jurisdicción contencioso administrativa son competentes para anular los actos admistrativos generales o individuales contrários a derecho, incluso por desviación de poder; condenar al pago de sumas de dinero ya a la reparación de daños y prejuicios originados en responsabilidad de la Administración; conocer de reclamas por la prestación de servicios públicos; y disponer lo necessário para el restabelecimiento de las situaciones jurídicas subjectivas lesionadas por la actividade administrativa”.

O artigo 259.º da Constituição encerra, pois, todo um sistema contencioso administrativo. O conteúdo do preceito (que, de alguma forma, correspondia no essencial a artigos de Constituições anteriores) apenas foi densificado após 1976, quando se promulgou a Ley Orgânica de la Corte Suprema de Justicia, que, nas suas disposições, estabelece toda uma organização estrutural da jurisdição administrativa e uma série de procedimentos respeitantes às acções e recursos que perante aquela se instauram. Esta lei orgânica corresponde, pois, à remissão do artigo 259.º quando afirma “los demás tribunales que determine la ley”.

O artigo 259.º faz, portanto, do processo administrativo uma plena jurisdição, sem que seja possível separá-la das demais jurisdições que integram o sistema venezuelano e , por isso, são-lhe aplicáveis todas as exigências que a Constituição estabelece para os tribunais.

Jurisdição administrativa:

O poder judicial na Venezuela exerce o controlo jurisdicional de todos os poderes públicos, sem que nenhum dos três escape ao seu controlo, particularmente ao controlo do tribunal do topo da hierarquia da estrutura venezuelana: a Corte Suprema de Justicia, com as suas diversas salas. A função primordial deste tribunal, nos termos do artigo 2.º da Ley Orgânica de la Corte Suprema de Justicia (doravante, L.O.C.S.J.) consiste no controlo directo da constitucionalidade e da legalidade dos actos do poder público (ao contrário, por exemplo, do sistema português que autonomizou a existência de um Tribunal Constitucional, de um Supremo Tribunal de Justiça e de um Supemo Tribunal Administrativo). Refira-se que Tribunal Supremo exerce o controlo do poder judicial pelo chamado recurso de Casasión (art. 42.º da L.O.C.S.J.), o controlo do poder legislativo nacional, estadual e municipal por meio da Acción de Inconstitucionalidad contra las leyes (art. 266.º da Constituição e art. 42.º da L.O.C.S.J.) e o controlo da constitucionalidade e legalidade das funções executiva e administrativa e outros órgãos do Estado de rasgo constitucional e autonomia funcional, mediante a Acción de nulidad e dos recursos contencioso-administrativos (art. 266.º, n.º 5 da Constituição e art. 42.º, nº 4, 10 e 12 da L.O.C.S.J).

A doutrina venezuelana demonstra um profundo conhecimento acerca da “infância difícil” do contencioso administrativo. Com efeito, quando aborda os antecedentes do processo administrativo, classifica a promiscuidade entre a função de julgar e de administrar e o termo “contencioso administrativo” como “unir en una sola palabra dos conceptos opuestos” cuja fonte de inspiração residiu num “falso concepto sobre sepración de los poderes estatales” e em “supuestos tan erróneos y circunstanciales”. (Brewer-Carías)

Não obstante, como sustenta Moles Caubet, não nos devemos esforçar para definir contencioso administrativo, porque a sua própria denominação nos indica o seu conteúdo: uma contenda ou controvérsia com a Administração porque se considera que um acto administrativo é ilegal ou ilegítimo ou porque uma actividade administrativa lesiona o direito do particular.

O Direito administrativo francês deu materialmente origem ao regime administrativo da maioria dos países latinos do mundo ocidental mas a Venezuela não absorveu a mesma influência no que toca à forma. Com efeito, o direito Administrativo não se construiu com base nos critérios de distinção entre jurisdição dos tribunais judiciais e jurisdição administrativa. A jurisdição administrativa na Venezuela assenta numa tradição bem consolidada de uma competência especializada de determinados tribunais para conhecer os litígios nos quais intervém a Administração, mas integrados no poder judicial.

Objecto da jurisdição administrativa:

A garantia do princípio da legalidade aplicado à Administração Pública, decorrente do Estado de Direito, está na possibilidade constitucionalmente aberta aos particulares de poder submeter toda a actuação administrativa ao controlo de órgãos judiciais especializados.

A matéria que integra o contencioso administrativo é o elemento que define a intervenção da jurisdição administrativa. Tal matéria é definida no artigo 259.º da Constituição de 2000: “contencioso de los actos administrativos generales ou individuales contrarios a derecho, de los contratos y de las actuaciones u omisiones de la Adminstración susceptibles de ocasionar responsabilidade patrimonial”. Em suma, todo o acto da Administração Pública está sujeito a controlo judicial (tanto no exercício de jus imperii, enquanto potestas administrativa, como nos vínculos jurídicos de direito privado, nomeadamente civil, comercial, laboral, etc.).

Não se admite já uma antiga tese jurisprudencial que defendia que os actos administrativos submetidos ao controlo dos tribunais administrativos eram apenas aqueles sujeitos ao direito administrativo (Teoría de los actos excluídos, considerada inconstitucional) . Afirma o Professor Brewer-Carías que “(...) todos los actos administrativos, por qualquier motivo de contrariedade al derecho están sometidos al control judicial por los órganos de la jurisdicción contencioso-administrativa (...)”. Poderíamos aqui empregar uma expressão da Professora Maria João Estorninho quando explica que uma “fuga para o direito privado” não significa uma “fuga às vinculações jurídico-públicas”. Está, logicamente, sempre presente uma autoridade administrativa de gestão de serviços públicos e, por isso, justifica -se uma unidade de jurisdição para qualquer actuação administrativa (note-se aqui a diferença com o direito português, por exemplo, o contraste com o artigo 4.º, n.º 3, alínea d) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, respeitante a direito laboral administrativo e que tanto pode integrar a competência dos tribunais judiciais como dos administrativos).

Os principais meios processuais:

Os meios processuais à disposição do particular e previstos na L.O.C.S.J., dependem da forma que reveste a actuação administrativa.

Se o acto é de carácter geral, emanado dos corpos legislativos nacionais, estaduais ou municipais, ou do Poder Executivo, aplica-se o procedimento da acção de nulidade. Se tal acto é atacado por razões de inconstitucionalidade, o seu conhecimento é do Plenário e se o é por razões de ilegalidade, conhece da sua impugnação a Sala Político-Administrativa do tribunal de mais alta instância (o procedimento é sempre o mesmo e não possui prazo de caducidade.) Por ser um acto que afecta em igual medida toda a colectividade ou um sector da mesma, é um recurso objectivo e requer um procedimento especial de impugnação, caso em que, por vezes, pode entrar em jogo a figura da acção popular.

Se o acto impugnado é de efeitos particulares, isto é, um acto que se reporta a uma determinada pessoa ou a uma categoria de pessoas perfeitamente individualizadas, recorre-se ao procedimento do Recurso Contencioso administrativo de nulidad (corresponde na doutrina francesa ao recurso por excesso de poder) ou recurso de anulación. É um recurso subjectivo e, como tal, exige um “interesse qualificado do recorrente”, um prazo para impugnação do acto, entre outros requisitos. É necessário, na grande maioria dos casos, esgotar a via administrativa (recurso de reconsideratión e recurso jerárquico) para propor este tipo de acção (uma das excepções ocorre na situação de silêncio da Administração sobre a apreciação de uma garantia graciosa).

O artigo 122.º da L.O.C.S.J. consagra, igualmente, o princípio de “Solvet et repete”, considerado anacrónico e inútil e que se traduz numa limitação do acesso à justiça pelos particulares, prejudicando a sua garantia contenciosa e também uma violação do princípio da igualdade de partes. Eis uma das matérias em que a psicanálise não está em dia para o legislador, ainda que a doutrina o reconheça...

Os fugazes prazos de caducidade previstos para o recurso de nulidad de actos de efectos particulares consubstanciam, igualmente, uma limitação dos direitos dos particulares, salvo pequenas excepções.

Finalmente, cumpre apenas referir que na Venezuela, a regra é a não suspensão dos efeitos dos actos administrativos, em homenagem ao princípio de executoriedade (há uma presunção de legalidade e legitimidade dos actos administrativos). Parece-me, aqui, haver uma decorrência de uma ideia de supremacia da Administração pela prossecução do interesse público contra os interesses egoístas dos particulares. A doutrina chega mesmo a afirmar que apesar desta ideia não ter base alguma na Constituição, há uma “tradição autoritária do direito venezuelano”.

Apenas a título de enumeração, refira-se, ainda, alguns dos principais meios processuais presentes no contencioso administrativo venezuelano:

  • Demandas contra la Republica (arts. 103.º a 111.º da L.O.C.S.J.)
  • Recurso de Nulidad de los actos de efectos generales (arts. 112.º a 120.º da L.O.C.S.J.)
  • Recurso Contencioso administrativo de nulidad (actos de efectos particulares) - arts. 121.º a 129.º da L.O.C.S.J.
  • Recurso contra la abstención (homólogo da nossa acção de condenação à prática do acto devido)
  • Recurso de Interpretación
  • Recurso de Amparo, previsto na Ley Orgânica de Amparo sobre Derechos y Garantias Constitucionales (como a violação de direitos constitucionais acarreta a nulidade absoluta do acto, é possível a impugnação a todo o tempo).

Características do contencioso administrativo na Venezuela:

  • O processo administrativo assenta numa competência especializada, de natureza contenciosa e é um processo subjectivo (lógica de partes) e dispositivo.
  • A jurisdição administrativa está definida como função estadual.
  • O processo administrativo venezuelano exerce o controlo da legalidade e da legitimidade de toda a actuação administrativa.
  • O processo administrativo não constitui uma jurisdição especial.
  • Qualquer tese restritiva do controlo de actos da Administração Pública é inconstitucional.

Organização dos tribunais no contencioso administrativo da Venezuela:




Veja-se a imagem inserida.


* A Sala Político-Administrativa do Supremo Tribunal de Justiça está no topo da organização da jurisdição administrativa na Venezuela. É composta por cinco magistrados, tendo competência nacional e sede na cidade de Caracas.

** As Cortes Primera y Segunda do contencioso administrativo são compostas por 3 juízes cada uma, tendo igualmente competência nacional e sede na cidade de Caracas.

O contencioso administrativo especial:

  • Contencioso Administrativo Eleitoral (Ley Orgânica del Sufrágio y Participación Política, de 28 de Maio de 1998)
  • Contencioso Administrativo Agrário (Ley de Tierras y Deasarrollo Agrário, de 18 de Maio de 2005)
  • Contencioso Administrativo Tributário (Código Orgánico Tributário, aprovado a 17 de Outubro de 2001)
  • Contencioso Administrativo da Função Pública (Ley del Estatuto dela Función Pública, de 6 de Outubro de 2002)
  • Contencioso Administrativo “Inquilinário” (Decreto con Rango e Fuerza de Ley de Arrendamientos Inmobiliarios, de 7 de Dezembro de 1999)
  • Contencioso Administrativo da Prevenção, Condições e Ambiente de Trabalho (Ley Orgânica de Prevención, Condiciones y Médio Ambiente del Trabajo, de 26 de Julho de 2005).

Bibliografia:

  • BREWER-CARÍAS, Allan R., El Derecho Administrativo y la Ley Orgánica de Procedimientos Administrativos, Colección de Estúdios Jurídicos N.º16, Editorial Jurídica Venezolana, Caracas, 1999.
  • LEAL WILHELM, Salvador, Curso de Procedimientos Contencioso-administrativos, Ediciones Astro Data S.A., Maracaibo 1995.
  • LOPEZ MARTÍNEZ, Eduardo, Derecho contencioso administrativo, Universidad Rafael Belloso Chacín, Maracaibo, Diciembre 2000.
  • MARCHAN, Carlos, Las orígenes de la Jurisdicción Contencioso-Administrativa y el Contencioso-Administrativo en Venezuela, Catédra de Contencioso-Administrativo, 2005.
  • PEREIRA DA SILVA, VASCO, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise -Ensaio sobre as Acções no Novo Processo Administrativo, Coimbra, Novembro de 2005.
  • CONTITUCIÓN DE LA REPUBLICA BOLIVARIANA DE VENEZUELA, Gaceta Oficial Extraordinaria N.º 5453 de 24 de marzo de 2000.
  • Ley Orgánica de la Corte Suprema de Justicia.
  • Ley Orgánica de Procedimientos Administrativos, Gaceta Oficial N.º 2.818 del 1 e julio de 1981.
  • http://www.tsj.gov.ve

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Competência material dos tribunais administrativos e fiscais - Uma questão ainda não resolvida

Competência material dos tribunais administrativos e fiscais nas acções para efectivação da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas de direito público – Uma questão ainda não resolvida.

Esta questão surgiu a propósito da primeira hipótese prática que integra o tema do “Âmbito de jurisdição”, na qual se apresentava a pretensão de um particular em demandar o Ministério das Obras Públicas para accionar a sua responsabilidade civil extracontratual, com vista a ressarcir-se dos danos sofridos em consequência de acidente de viação, envolvendo viatura do referido Ministério. Perguntava-se, então, qual a jurisdição competente para resolver o litígio.
Resolveu-se esta hipótese à luz da alínea g), do n.º 1, do art. 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), sublinhando-se que, com esta disposição, a questão estaria resolvida, contrariamente ao que se verificava durante a vigência do anterior ETAF, atribuindo-se o seu conhecimento aos tribunais administrativos.
Vim, porém, a perceber que esta conclusão aparentemente simples, e a questão que a subjaz, não são tão adquiridas como faziam parecer, sendo, ainda, actualmente, objecto de grandes divergências, patentes em soluções muito diferentes na jurisprudência, quanto à jurisdição competente.
A este propósito, deixam-se algumas reflexões.

No domínio do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), aprovado pelo DL n.º 129/84, de 27 de Abril, observou-se uma profunda divisão sobre a competência jurisdicional para o conhecimento das acções intentadas contra o Estado ou outras pessoas colectivas de direito público visando a efectivação da responsabilidade extracontratual. Tendo por base a proveniência do acto (acção ou omissão) gerador dos danos a ressarcir – acto de gestão pública ou acto de gestão privada –, entendia-se que a competência pertencia ao tribunal judicial comum no caso de responsabilidade fundada na gestão privada daquelas entidades públicas, cabendo à jurisdição administrativa o conhecimento das acções de responsabilidade decorrente de actos de gestão pública.

Considerava-se, então, que se integravam nos actos de gestão pública os praticados por órgãos ou agentes da Administração no exercício de uma função pública, sob o domínio de normas de direito público. Já os actos de gestão privada compreendiam os praticados por órgãos e agentes da Administração quando esta aparece despida de poder público, numa posição de igualdade com os particulares a que os actos respeitam, e, por isso, nas mesmas condições e no mesmo regime em que procederia um particular, com sujeição às normas do direito privado.

Nesta perspectiva, considerava-se que a circulação rodoviária de um veículo do Estado – factualidade da hipótese prática que analisámos em aula – constituía gestão privada, pertencendo ao tribunal comum a competência para conhecer de uma acção intentada contra o Estado para ressarcimento dos danos resultantes de acidente de viação causado por tal veículo.

No entanto, relativamente a muitos outros eventos danosos não era fácil determinar se eles provinham de uma actividade de gestão pública ou de gestão privada (ex. os danos resultantes de falta de sinalização de obstáculos nas vias públicas, os danos decorrentes de obras, etc). Sucediam-se, então, sucessivas deduções da excepção da incompetência em razão da matéria que, julgada procedente, determinava a absolvição da instância, com os inerentes prejuízos ao nível da rapidez na realização da justiça e ao nível dos custos patrimoniais decorrentes dos recursos que se interpunham. A muito abundante jurisprudência que, sobre o tema, se foi produzindo é reveladora do estado de incerteza e imprevisibilidade que gerava um sistema baseado na dicotomia gestão pública - gestão privada.

O novo ETAF, aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro, terá pretendido alterar a situação descrita, enchendo de esperança os aplicadores das suas normas quanto à resolução da questão exposta.

Continuando a assentar o âmbito da jurisdição administrativa e fiscal no conceito de «relações jurídicas administrativas e fiscais», como a Constituição da República (CRP) determina (v. art. 212.º, n.º 3, da CRP e art. 1.º, n.º 1, do ETAF), o art. 4.º, n.º 1, nomeadamente nas suas alíneas g) e h), integra no âmbito da jurisdição administrativa a apreciação dos litígios que tenham por objecto a responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público e dos titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes.

Optou-se, como se refere na exposição de motivos da proposta de lei n.º 93/VIII, que deu origem à Lei n.º 13/2002 [pode ser consultada no site da Assembleia da República, em http://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DiplomasAprovados], «[…] dando resposta a reivindicações antigas, por ampliar o âmbito da jurisdição dos tribunais administrativos em domínios em que, tradicionalmente, se colocavam maiores dificuldades no traçar da fronteira com o âmbito da jurisdição dos tribunais comuns.
A jurisdição administrativa passa, assim, a ser competente para a apreciação de todas as questões de responsabilidade civil que envolvam pessoas colectivas de direito público, independentemente da questão de saber se tais questões se regem por um regime de direito público ou por um regime de direito privado; já em relação às pessoas colectivas de direito privado, ainda que detidas pelo Estado ou por outras entidades públicas, como a sua actividade se rege fundamentalmente pelo direito privado, entendeu-se dever manter a dicotomia tradicional e apenas submeter à jurisdição administrativa os litígios aos quais, de acordo com a lei substantiva, seja aplicável o regime da responsabilidade das pessoas colectivas de direito público por danos resultantes do exercício da função administrativa».

Julgava-se, então, que as questões que, durante tanto tempo, se suscitaram quanto à delimitação das competências das duas ordens jurisdicionais (comum e administrativa) tivessem sido sanadas e ultrapassadas.
Algumas delas foram-no efectivamente (as acções de responsabilidade civil por danos decorrentes do exercício da função jurisdicional ou legislativa). Outras, porém, continuam a ser debatidas nos tribunais, com a particularidade de, agora, se questionarem situações que, no domínio de vigência do anterior ETAF se encontravam resolvidas (p. ex., as acções emergentes de acidente de viação com intervenção de veículo do Estado).
Assim, foi com grande surpresa que verifiquei que continuam a ser suscitadas nos tribunais questões de (in)competência em razão da matéria, podendo referir-se o entendimento de alguns tribunais judiciais (de 1.ª instância e da Relação), recuperando os conceitos de gestão privada/gestão pública como critérios de delimitação da competência material nas acções de responsabilidade aqui em causa.
Acrescenta-se, por outro lado, o argumento da natureza da relação jurídica que se configura como causa de pedir nas acções, recorrendo-se ao comando constitucional contido no art. 212.º, n.º 3, da CRP, segundo o qual,

«compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais».

Nesta perspectiva, alguma jurisprudência considera que uma acção emergente de acidente de viação proposta contra pessoa colectiva pública (Estado, por ex.) deverá ser proposta no tribunal de jurisdição comum (tribunal judicial) por, em regra, não se estar perante uma relação jurídica administrativa, nem perante uma actividade inserida na gestão pública levada a cabo por tais entidades.
Introduzem-se, em seguida, algumas decisões jurisrpudenciais (disponíveis, em texto integral, nas Bases Jurídico Documentais da DGSI, em http://www.dgsi.pt.) ilustrativas da referida apreciação dos litígios, retirando competência material à jurisdição administrativa.

Acordão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo: 7560/06-2
Relator: ANA PAULA BOULAROT
Descritores: COMPETÊNCIA MATERIAL
Data do Acordão: 02-11-2006
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE

Sumário:
O acto de circulação automóvel de um veículo do Estado, interveniente num acidente que dá causa à acção e que nela se discute, não se compreende no exercício de um poder público, nem na realização de uma função pública, estando, desta sorte, excluído do âmbito de previsão do artigo 4º, nº1, alínea h) do ETAF.

Acórdãos TRP
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo: 0731515
Relator: FERNANDO BAPTISTA
Descritores:COMPETÊNCIA MATERIAL; JURISDIÇÃO ADMINISTRATIVA; TRIBUNAL COMUM; PESSOA COLECTIVA DE DIREITO PÚBLICO; RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
Data do Acordão: 12-04-2007
Votação: UNANIMIDADE
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: PROVIDO.
Sumário:
I - No âmbito de aplicação do novo E.T.A.F. (Lei nº 13/2002, de 19.02 com subsequentes alterações) sendo demandadas "pessoas colectivas de direito público" com base na respectiva responsabilidade civil extracontratual, devem sê-lo na jurisdição administrativa no caso de o acto lesivo dos interesses do terceiro demandante ser qualificados como acto de gestão pública - devendo, ao invés, tal demanda correr nos tribunais comuns, no caso de tal acto ser qualificado como de gestão privada.II - Não sendo clara a competência da jurisdição administrativa para apreciação dos litígios que tenham por objecto a responsabilidade extracontratual de tais pessoas pelos danos decorrentes da sua actividade, não pode deixar de valer a regra geral da competência residual dos tribunais judiciais comuns.III - Compete aos tribunais da jurisdição administrativa a apreciação do litígio que tenha por objecto a efectivação do direito de indemnização decorrente de acidente de viação provocado por existência de lama e água na via pública, pois trata-se de apurar a responsabilidade extracontratual de uma pessoa colectiva de direito público (E.P.-Estradas de Portugal) por omissão do seu dever de manutenção, fiscalização e administração, deveres esses que exerce no âmbito da sua “auctoritas pública” (ius imperii).

Acordão do Tribunal da Relação de Lisboa
Relator: ILÍDIO SACARRÃO MARTINS
Descritores:
COMPETÊNCIA MATERIAL; TRIBUNAL ADMINISTRATIVO; RESPONSABILIDADE CIVIL
Data do Acordão: 06-02-2007
Votação: UNANIMIDADE
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO

Sumário:
I- A Constituição da República Portuguesa prescreve no artigo 212.º/3 que “ compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais”, ou seja, limita a competência daqueles aos litígios emergentes de relações jurídicas administrativas.II- Por isso, não obstante a actual redacção do artigo 4.º/1, alínea g) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro) prescrever que compete aos tribunais de jurisdição administrativa a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objecto “questões em que, nos termos da lei, haja lugar a responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público […]” isso não significa que a competência dos tribunais administrativos tenha passado a abranger litígios emergentes de relações que não sejam de direito administrativoIII- Assim, demandada empresa pública visando a sua responsabilidade por dano emergente de questão de direito privado ( prejuízos sofridos por uma menina que entalou os dedos nos orifícios de um banco metálico para utilização de passageiros em estação de caminho de ferro, o que levou ao seu internamento hospitalar a fim de, com anestesia geral, serem libertados os seus dedos presos e imobilizados) são os tribunais comuns os competentes em razão da matéria


Já a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça e do Tribunal dos Conflitos [tribunal que intervém nos termos do disposto no art. 107.º, n.º 2, do CPC, ou seja, quando a Relação tiver julgado incompetente o tribunal judicial por a causa pertencer ao âmbito da jurisdição administrativa e fiscal, determinando qual deles é o materialmente competente] aponta no que entendo ser o sentido desejado pelo legislador com a reforma do contencioso administrativo, ou seja, no sentido do alargamento da jurisdição administrativa, competindo a esta o julgamento das causas em que o Estado ou outra pessoa colectiva pública seja parte, independentemente da natureza da relação jurídica.

Por conterem elementos que podem ser úteis para o estudo desta questão, inserem-se algumas decisões jurisprudenciais proferidas sobre a temática abordada, disponíveis, em texto integral, nas Bases Jurídico Documentais da DGSI, em http://www.dgsi.pt.

Acórdãos STJ
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo: 05B2294
Relator: NEVES RIBEIRO
Descritores:
COMPETÊNCIA MATERIAL; TRIBUNAL ADMINISTRATIVO; RESPONSABILIDADE EXTRA CONTRATUAL; VALORES MOBILIÁRIOS
Data do Acordão: 11-10-2005
Votação: UNANIMIDADE
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO

Sumário :
1. É da competência do tribunal administrativo a apreciação de uma acção de indemnização por responsabilidade extracontratual, decorrente de actuação (ou não actuação) ilícita de uma Autoridade de Regulação Económica, actuando no exercício de autoridade.2. A determinação da natureza pública ou privada da relação litigiosa, ao tempo da acção, e a consequente determinação do tribunal competente para dela conhecer, devem considerar a acção (pedido e causa de pedir), tal como configurada pelo autor, tendo ainda em conta as demais circunstâncias disponíveis pelo Tribunal que relevem da exacta configuração dos termos da causa proposta.3. No caso, em concreto, a configuração da acção feita pelo autor mostra que não está em apreço judicial uma questão de direito privado donde resulte a obrigação de indemnizar solicitada, mas, essencialmente, e apenas, uma questão de direito público, relativa à licitude ou não, da actuação da CMVM, como Entidade Reguladora Independente do mercado a que se dirige, conforme aos seus estatutos e ao CVM, em particular, o art. 353.º (atribuições) do CVM.4. Consequentemente, estando em causa a apreciação de uma relação jurídica de direito administrativo, cuja ofensa veio alegadamente a dar causa à obrigação de responsabilidade civil extracontratual que se pretende fazer valer através da acção, o tribunal comum - neste caso cível - é incompetente em razão da matéria, para dela conhecer.5. A partir da vigência da nova reforma do contencioso administrativo - Janeiro de 2004 - deixa de relevar a distinção entre regime de direito público e regime de direito privado, como critério de determinação da competência judiciária - administrativa ou comum, respectivamente - para conhecer da responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público.6. A alínea g), do n.º 1, do art. 4.º do novo ETAF determina que “compete aos tribunais de jurisdição administrativa a apreciação de litígios que tenham, nomeadamente, por objecto (…) questões em que, nos termos da lei, haja lugar a responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público (…)”, independentemente da natureza do regime de direito público ou privado aplicável à relação litigiosa.

Acórdãos STJ
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo: 07B1477
Relator: BETTENCOURT DE FARIA
Descritores:
ACIDENTE DE VIAÇÃO; ACIDENTE DE TRABALHO; CONTRATO DE SEGURO; SUB-ROGAÇÃO; RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO; FUNCIONÁRIO; COMPETÊNCIA MATERIAL; TRIBUNAL COMUM; TRIBUNAL ADMINISTRATIVO
Data do Acordão: 27-09-2007
Votação: UNANIMIDADE
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO
Sumário :
I - De acordo com as novas regras do ETAF, compete à jurisdição administrativa o julgamento das causas em que o Estado seja parte, independentemente de a relação jurídica em litígio ser regulada pelo direito privado ou pelo direito administrativo.II - Os tribunais comuns são materialmente incompetentes para apreciar os pedidos de responsabilidade extracontratual, baseados em factos praticados por servidores do Estado.

Acórdãos T CONFLITOS
Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo: 013/07
Data do Acordão: 26-09-2007
Tribunal: CONFLITOS
Relator: CARMONA DA MOTA
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL; ACIDENTE DE VIAÇÃO MILITAR; ESTADO; COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS
Sumário:
Sendo o Estado uma pessoa colectiva de direito público e pretendendo o Autor accionar a sua responsabilidade civil extracontratual, é a jurisdição administrativa a competente para conhecer da respectiva acção, nos termos do art 4º nº1 al. g) do ETAF02.

Acórdãos T CONFLITOS
Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo: 017/07
Data do Acordão: 23-01-2008
Tribunal: CONFLITOS
Relator: POLÍBIO HENRIQUES
Descritores:
CONFLITO DE JURISDIÇÃO; RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL; COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS; PESSOA COLECTIVA DE DIREITO PÚBLICO; COMPANHIA DOS CAMINHOS DE FERRO PORTUGUESES - REFER EP

Sumário:
I - A “Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses, E.P.” (CP) e a “Rede Ferroviária Nacional – REFER, E.P.” (REFER) são pessoas colectivas de direito público, por expressa determinação do direito positivo.II - Nos termos previstos no art. 4º/1/g) do ETAF, aprovado pela Lei nº 13/2002 de 19.2, compete ao juiz administrativo conhecer de acção instaurada contra aquelas entidades, para efectivação de responsabilidade civil extracontratual emergente da colisão de um comboio com um veículo automóvel, numa passagem de nível da linha do Leste.III - Cabe, igualmente, ao juiz administrativo, de acordo com o disposto no art. 4º/1/h) do ETAF, conhecer da questão da responsabilidade civil extracontratual dos servidores daquelas mesmas pessoas colectivas de direito público, por danos ocorridos no exercício das suas funções e por causa delas, qualquer que seja o regime do seu trabalho e qualquer que seja a natureza da actividade causadora do dano.


Relativamente ao argumento que se pode retirar do citado art. 212.º, n.º 3, da CRP, importa ter presente que, como é salientado na exposição de motivos da proposta de lei n.º 93/VIII, também já mencionada, «a definição do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal que, como a Constituição determina, se faz assentar num critério substantivo, centrado no conceito de “relações jurídicas administrativas e fiscais”. Mas sem erigir esse critério num dogma, uma vez que a Constituição, como tem entendido o Tribunal Constitucional, não estabelece uma reserva material absoluta, impeditiva da atribuição aos tribunais comuns de competências em matéria administrativa ou fiscal ou da atribuição à jurisdição administrativa e fiscal de competências em matérias de direito comum. A existência de um modelo típico e de um núcleo próprio da jurisdição administrativa e fiscal não é incompatível com uma certa liberdade de conformação do legislador, justificada por razões de ordem prática, pelo menos quando estejam em causa domínios de fronteira, tantas vezes de complexa resolução, entre o direito público e o direito privado»

A doutrina orienta-se também no sentido do alargamento da jurisdição administrativa visado pelo novo ETAF. Assim, MÁRIO AROSO DE ALMEIDA considera que «no que especificamente diz respeito aos danos emergentes da actuação da Administração Pública, o preceito [art. 4.º, n.º 1, al. g), do ETAF] não distingue […] consoante essa actuação seja ou não desenvolvida no exercício da função administrativa, na imediata prossecução de fins públicos, ao abrigo de disposições de direito administrativo, etc. Ora, onde o legislador não distingue, não deve o intérprete distinguir. Todos os litígios emergentes de actuações da Administração Pública que constituam pessoas colectivas de direito público em responsabilidade civil extracontratual pertencem, portanto, à competência dos tribunais administrativos» (O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, 2.ª edição, Revista e Actualizada, Almedina, 2003, p. 93).
No mesmo sentido, JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, embora admita que «há-de ser a jurisprudência a determinar em que medida houve ou não alargamento» (A Justiça Administrativa (Lições), 9.ª edição, Almedina, 2007 (pp. 117-118), e MÀRIO ESTEVES DE OLIVEIRA e RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA, Código de Processo nos Tribunais Administrativos, volume I, e Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, Anotados, Almedina, 2004, p. 59.
Também o Prof. VASCO PEREIRA DA SILVA sublinha a necessidade de se introduzir coerência ao sistema, «pela unificação no âmbito da jurisdição administrativa da competência para conhecer dos litígios relativos a todas as funções estaduais (...), assim como deve implicar pôr termo a indesejáveis dualidades de regimes jurídicos, baseados em ilógicas e artificiais distinções como a de gestão pública e de gestão privada» [O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, 2.ª edição, Almedina, 2009, p. 237].

A questão que ora se apresenta assume particular relevância na medida em que, perante cada caso que nos venha a ser colocado, teremos de a enfrentar e resolver previamente. Em que jurisdição deveremos propor uma acção com as características apontadas? Refira-se que não é destituída de consequências a opção tomada, na medida em que a parte contrária pode deduzir a excepção da incompetência absoluta, em razão da matéria, a qual determina, como é sabido, absolvição da instância [v. arts. 288.º, n.º 1, al. a), 493.º, n. 2, e 494.º, al. a), do CPC].

Como procurei expor, observa-se ainda hoje uma grande divergência de decisões jurisprudenciais sobre a questão da competência material dos tribunais administrativos e fiscais nas acções para efectivação da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas de direito público. Esta questão não está, de todo, resolvida.

E que fundamentos adoptar para o desejado alargamento da jurisdição administrativa?
O critério substantivo inerente ao conceito de “relações jurídicas administrativas e fiscais”, que se retira do n.º 1 do art 1.º do ETAF e da Constituição, é incontornável. Mas deverá, contrariamente à intenção do legislador, elevar-se a “dogma”?
E como se conjuga com a alínea g) do n.º 1 do art. 4.º do ETAF, fruto da desejada “liberdade de conformação do legislador”?
Vamos procurar encontrar uma solução, que nos traga mais sossego.

Outra bibliografia:
“Linhas gerais da reforma do contencioso administrativo”, Reforma do Contencioso Administrativo, Ministério da Justiça, 2003, com a colaboração do Prof. Doutor Mário Aroso de Almeida e da Dra Cecília Gagliardini Graça, pp. 11-26).


Sara Augusto de Matos

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Esmiuçando a Tutela Cautelar


Abrindo um pouco o apetite para futuras reflexões psiconeuróticas e totemisticas, venho levar ao conhecimento de todos uma notícia fresquinha (que saiu enquanto nos iniciávamos na compreensão dos mais profundos conflitos do aparelho psíquico do Contencioso Administrativo).


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Tribunal aceita providência da Telecinco


Com a decisão do Tribunal Administrativo de Lisboa, fica congelada a abertura de um quinto canal de TV em sinal aberto.

O Tribunal Administrativo de Lisboa deu despacho favorável à providência cautelar interposta pela Telecinco, deixando assim congelado o processo relacionado com a abertura de um quinto canal em sinal aberto.

"Fomos informados da decisão sobre a providência cautelar hoje de manhã. As nossas pretensões foram acolhidas pela juíza e agora todo o processo fica bloqueado até à sentença do processo principal", disse à Lusa o porta-voz da Telecinco.

Em Abril, a Telecinco processou a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) pela sua decisão de excluir a candidatura da empresa ao concurso do quinto canal generalista em sinal aberto.

Simultaneamente, a Telecinco interpôs uma providência cautelar com vista a suspender todas as consequências possíveis do chumbo da ERC, nomeadamente a abertura de novo concurso pelo Governo ou a entrega do espectro remanescente aos outros canais nacionais.


Meio ano à espera

"Sem a providência cautelar, arriscávamo-nos a que o Governo ou a ERC reabrissem o concurso e voltasse tudo à estaca zero. Perdíamos tempo e dinheiro", afirma o porta-voz da Telecinco, acrescentando que "a decisão tardou, mas veio com justiça".

A decisão do Tribunal Administrativo de Lisboa demorou meio ano a ser tomada, tendo sido ultrapassados todos os prazos legais previstos, o que chegou a pôr em risco o pedido da Telecinco.

Conforme explica à Lusa um especialista em Direito Administrativo, a ausência de decisão sobre uma providência cautelar é o mesmo que não ter sido interposto qualquer pedido.


Governo impedido de agir

Assim, durante o tempo que decorreu desde que findou o prazo para haver uma decisão do tribunal, o Governo poderia ter aberto um novo concurso e essa decisão seria irrevogável, mesmo que houvesse posteriormente um despacho favorável do tribunal.

No entanto, o processo ficou mesmo parado até hoje. Agora, com a decisão favorável à Telecinco, mesmo que queira o Governo não pode abrir novo concurso.

O processo fica assim parado durante todo o tempo necessário à decisão do tribunal sobre a acção principal (contestação da Telecinco ao chumbo da ERC), o que pode demorar anos.


Pode haver recursos

Resta pois ao Governo esperar ou recorrer da decisão, uma possibilidade que está aberta igualmente ao organismo regulador dos media.

Lançado em Novembro do ano passado, o concurso público para um quinto canal de TV em sinal aberto contou com as candidaturas da Zon Multimédia e da Telecinco, ambas rejeitadas pela ERC, por não reunirem "os requisitos legais e regulamentares para admissão a concurso".


*


O departamento jurídico da Telecinco, S.A. acabou, então, por receber a sua recompensa por ter ido às aulas de Contencioso Administrativo, que lhe conferiram uma agilidade processual tal que não mostrou qualquer tipo de hesitação na hora de recorrer aos meios processuais adequados para assegurar o efeito útil de uma futura sentença sobre o chumbo da ERC.

Uma manifestação de gratidão ao Tribunal de Justiça da UE não ficaria nada mal aos sócios da Telecinco, S.A.. Afinal de contas, foi o reconhecimento, por parte desta instituição, de que a tutela cautelar existente nos vários Estados-Membros era insuficiente e a posterior imposição da consagração de meios urgentes e provisórios necessários e adequados para acautelar os direitos dos particulares em face de toda e qualquer actuação da Administração que levou ao alargamento da tutela cautelar no ordenamento português. Não fora a influência europeia no Contencioso Administrativo (e a reforma de 2002/2004) e estaríamos condenados ao “mimetismo de programação” que se verifica entre RTP1, SIC e TVI (justiça seja feita à RTP2), tendo sido este fenómeno de “europeização” que levou à procura de uma real plenitude e efectividade da tutela dos direitos dos particulares.

Ora, sabendo que a probabilidade de a Telecinco, S.A. retribuir a amabilidade da União Europeia com um qualquer gesto de agradecimento é reduzida, permitam-me a mim fazê-lo. Não por ansiar um 5º canal generalista, mas por colocar o Contencioso Administrativo nas notícias (já dizia o Professor Vasco Pereira da Silva) e nos fornecer matéria-prima para este blogue. Obrigado!


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Referências bibliográficas:

- PEREIRA DA SILVA, VASCO, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise – Ensaio sobre as Acções no Novo Processo Administrativo, Coimbra, Novembro de 2005

- http://aeiou.expresso.pt/

- http://jn.sapo.pt/paginainicial/

- http://www.telecinco.pt/

O Contencioso Administrativo Americano

Porquê os Estados Unidos da América? Os EUA são uma das maiores potências do nosso tempo. E, por isso, quando o Prof. nos desafiou a analisar outro país, perguntei-me como seria que o Sr. Obama geria a máquina administrativa americana. Assim, fui tentando descobrir a resposta…

Ao contrário do caso português, o direito administrativo não está espelhado na Constituição americana. Por exemplo, a Constituição da República Portuguesa tem o título IX completamente dedicado à Administração Pública. A Constituição americana não refere a Administração Pública, todavia sabemos que o direito administrativo emana do ramo executivo.

O Congresso americano cria agências que são autorizadas a promulgar regulamentos que têm a mesma força que uma lei estatutária. As agências são organizações permanentes ou semi-permanentes na máquina do governo e que são responsáveis pela supervisão e administração de funções específicas. Têm funções de carácter executivo.

O Congresso delega funções nas agências governamentais através das nossas já conhecidas competências delegadas.

A forma como estas agências actuam está regulada no Administrative Procedure Act (APA). O Administrative Procedure Act é a lei através da qual as agências governamentais americanas elaboram as normas e os regulamentos necessários para que as leis do Congresso e do Senado tenham uma verdadeira força efectiva.

O acto de Procedimento Administrativo (traduzindo para português) data de 1946, após a Grande Depressão americana e a Segunda Guerra Mundial. Assim, desde esta data que têm vindo a ser criadas as agências governamentais, como por exemplo a Central Intelligence Agency.

O Administrative Procedure Act define determinados deveres às agências governamentais como o dever de informação e permite que os particulares intentem acções em tribunal contra a agência governamental. Tal como no contencioso administrativo português também nos EUA se afirma o princípio da igualdade de arma, realçando o carácter subjectivista, quando no Administrative Procedure Act se consagrou que “the court may order the agency to amend the individual’s record in accordance to his request or in such other way as the court may direct”.

Existem também pontos semelhantes com o direito administrativo português, pois tanto em Portugal como nos EUA existem jurisdições administrativas próprias. Em Portugal temos os tribunais administrativos de círculo, os tribunais centrais administrativos e o Supremo Tribunal Administrativo. Nos EUA existem os juízes administrativos e o Administrative Court.

O capítulo 7 do Administrative Procedure Acto refere-se especialmente ao judicial review. Realça-se a possibilidade de os particulares poderem propor acções em tribunal quando virem os seus interesses lesados. Os EUA podem ser citados como réu na acção proposta pelo particular e a sentença pode ser desfavorável para o réu, mas é obrigatório especificar o responsável (o agente) pelo cumprimento.

Quanto à forma de processo, no contencioso administrativo americano aplica-se o processo especial de revisão legal ou na falta de acção especial qualquer acção colectiva aplicável.

Bibliografia:

- Constituição da Republica Portuguesa

- Federal Administrative Law, J. Michael Goodson

- Administrative Procedure Act

Ana Teresa Roios

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

PROCESSO ADMINISTRATIVO ALEMÃO


Procurando ir ao encontro do primeiro desafio lançado pelo Professor Vasco Pereira da Silva, optámos por fazer uma breve reflexão acerca do processo administratvo alemão, comparando-o em certos pontos com o português, reflexão essa que não pretende ser em nada exaustiva, tendo pelo contrário o objectivo de realçar os principais aspectos do sistema de contencioso administrativo alemão. A escolha da Alemanha prende-se essencialmente com o facto da reforma do contencioso administrativo em 2004 ter afastado o modelo de contencioso administrativo português da primitiva matriz francesa para se aproximar do modelo alemão da Verwaltungsgerichtsordnung de 1960. Apesar do modelo de contencioso adminsitrativo português ainda ter manifestações de institutos inspirados na lógica objectivista francesa, a verdade é que que tende cada vez mais para uma perspectiva subjectivista de inspiração alemã, podendo mesmo actualmente dizer-se que é um modelo predominantemnte subjectivista.

Tutela Jursidicional efectiva dos direitos dos particulares

O artigo 19 nº 4 da lei fundamental alemã (Deutsches Grundgesetz), a par do artigo 268.º, nº 4 da CRP, garante a todos os indivíduos a protecção legal contra qualquer acção ou omissão de uma autoridade pública. Em ambos os sistemas de contencioso é consagrado o princípio da tutela jurisdicional efectiva dos direitos dos particulares.
Qualquer acção ou omissão de uma autoridade pode ser desafiada e revista com recurso a tribunais independentes, especialmente aos tribunais administrativos. Também em Portugal existe uma jurisdição especializada, no âmbito da qual foi criada a categoria dos Tribunais Administratvos e Fiscais nos termos do artigo 209.º,1, a) da CRP) (se bem que a especialização parece ser superior na Alemanha já que os Tribunais Administrativos e os Tribunais Fiscais constituem duas ordens diferentes de tribunais neste país).

Diplomas aplicáveis

A lei da República Federal Alemã é sobretudo lei escrita, tal como acontece em Portugal. As regras para o procedimento administratvo e para a protecção legal nos tribunais administrativos estão no Procedimento Administrativo Federal- “Bundesverwaltungsverfahrensgesetz (BVwVfG)” (assim como no idêntico Procedimento Administrativo dos Estados Alemães Federados) e no Decreto dos Tribunais Administrativos – “Verwaltungsgerichtsordnung (VwGO)”. As previsões destes decretos aplicam-se por igual a todas as administrações. Deste modo, a protecção legal é completamente uniforme em toda a República Federal da Alemanha.
À semelhança, em Portugal os diplomas relevantes em matéria de contencioso administrativo são o CPA, CPTA e ETAF.
O tipo de resposta que a lei administrativa fornece depende do tipo de acção que a autoridade pratica ou omite. Há um sistema complexo de recursos que permite numerosas possibilidades de revisão judicial. Vamos concentrar-nos nos recursos contra a mais importante e frequente forma de actuação administrativa - o acto Administrativo (“Verwaltungsakt”)- e ver quais são as possibilidades de reacção contra uma decisão administrativa ilegal.

O acto administrativo

Na prática, a maior parte da actuação administrativa reveste a forma de actos administrativos e, por isso, o conceito de acto Administrativo é crucial para o Direito administrativo alemão.
De acordo com a secção 35 (1) do Procedimento Administratvo Alemão, um acto administrativo será qualquer ordem, decisão ou outra medida de poder adoptada pela Adminsitração com o obectivo de regular um caso individual relacionado com questões de Direito Público , e com o objectivo de produzir um efeito legal directo sobre uma questão externa. Se uma autoridade pratica um acto administrativo, ele vincula a parte afectada sendo que a decisão torna-se imediatamente eficaz a partir do momento que o destinatário do acto for informado do mesmo. Um acto permanece válido até ser revogado ou anulado. Mesmo que seja ilegal, continua eficaz enquanto não seja contestado pela pessoa afectada. Como regra, após um mês da data em que a Administração notifica o particular do acto, o mesmo torna-se definitivamente eficaz e o particular deixa de poder contestá-lo. Estamos perante o “ poder da duração”(Bestandskraft). Uma excepção a esta regra é o acto Administrativo nulo, em que há um defeito legal sério e óbvio pelo que nestes casos não é necessário recorrer do acto já que este é inválido desde o momento em que foi praticado.

O Direito administrativo alemão fornece dois tipos de respostas contra um acto Administrativo:
- a reclamação dirigida à autoridade que o praticou
- a possibilidade de intentar uma acção no Tribunal Administrativo

Se o particular afectado quer reclamar contra a decisão de uma autoridade administrativa, o primeiro passo é expressar uma objecção contra a mesma junto da autoridade que a emitiu. A autoridade terá então a oportunidade de corrijir a decisão errada antes da parte lesada intentar uma acção administrativa. Depois da parte lesada ser notificada de que a autoridade rejeitou a sua reclamação terá um mês para intentar uma acção num Tribunal Administrativo local. Antes de ser intentada uma acção é obrigatório o recurso da decisão administrativa por via do Procedimento Administrativo.

Independência e Jurisdiçao dos Tribunais

Na Alemanha o desenvolvimento histórico conduziu à criação de tribunais administrativos especiais que são completamente independentes dos tribunais civis e criminais, assim como da secção executiva do Governo. Segundo a secção 1 do Decreto dos Tribunais Administrativos do Estado “ A jurisdição dos tribunais administrativos pertence a tribunais independentes que estão totalmente separados das funções administrativas”. Igualmente em Portugal a lei é clara quanto à independência dos tribunais administrativos face à Administração, sendo que nos termos do artigo 2.º do CPTA “os tribunais da jurisdição admnistrativa e fiscal são independentes e apenas estão sujeitos à lei”.
A diferença entre os tribunais administrativos e os tribunais ordinários é a de que a jurisdição dos tribunais administrativos está limitada aos litígios administrativos. Eles não decidem disputas entre particulares, mas apenas casos em que um acto da Administração Pública está em causa. A sua jurisdição compreende todas as disputas previstas pelo Direito Público que não tenham natureza constitucional e que não caiam numa jurisdiçao administrativa especial. Na grande maioria dos casos uma entidade pública, um estado federal ou a própria Républica Federal da Alemanha, são partes nestes casos.
Juntam-se aos tribunais administrativos, os quais têm jurisdição geral; dois outros tipos de tribunais administrativos com jurisdição especial, são eles os Tribunais de Segurança Social e os Tribunais Fiscais. Excluídas da jurisdição dos tribunais administrativos estão todas as acções que digam respeito à compensação do particular pela expropriação efectuada pelo Estado, assim com à compensação pelos danos provocados pelo Estado, sendo que nestas situações a competência cabe aos tribunais ordinários. Esta excepção que tem na sua origem razões históricas, não deixa de ser uma inconsistência no sistema alemão.
Como consequência, a distinção entre tribunaias comuns e tribunais administrativos depende da resposta/solução que se procura dar e não do objecto do litígio ou da natureza das partes. A competência dos tribunais administrativos na Alemanha é, portanto, menos abrangente e clara do que em França.

Competência do Tribunal Administrativo
Legalidade vs mérito

O Tribunal Administrativo não tem competência para emitir um novo acto Administrativo. No caso de se contestar o acto Administrativo, o tribunal pode anular o acto mas não o pode emendar ou substituir. Isto significa, em muitos casos que a autoridade administrativa vai emitir uma nova decisão com base na opinião legal do tribunal. No caso de haver uma omissão, o Tribunal pode ordenar que a administração actue como cumprimento de um dever.
No procedimento preliminar (aquando da reclamação perante a autoridade administrativa que praticou o acto) é possível reclamar não só quanto à legalidade do acto mas também quanto ao seu mérito, mas aquando é intentada uma acção nos tribunais administrativos o demandante apenas pode pôr em causa a legalidade do acto e não o seu mérito. Também em Portugal o artigo 3º, nº1 do CPTA vincula os tribunais administrativos a aferir apenas da legalidade do acto e não da sua “conveniência ou oportunidade”.
Os argumentos apresentados em tribunal devem estar relacionados com questões de Direito. Se está em causa a fiscalização pelos tribunais do exercício do poder discricionário na decisão, eles apenas estão autorizados a investigar se a autoridade abusou ou usou erradamente desse poder que lhe é atribuído por lei. Contudo, os tribunais administrativos alemães têm ainda de verificar se foi respeitada a proporcionalidade da decisão, já que o princípio da proporcionalidade é um elemento essencial no Estado de Direito, tal como delineado pela Constituição Alemã (este pricípio tem uma igual importância para o Estado de Direito português-artigo 266.º, nº2 da CRP).

Os Tribunais

O demandante, assim como a autoridade administrativa têm o direito de recorrer para o Tribunal Administrativo Superior e, em circunstâncias especiais, para o Tribunal Administrativo Federal.
A jurisdição administrativa opera a três níveis:
· Tribunais Admnistrativos Locais (primeira instãncia)
· Tribunais Superiores (ao nível do estados federados, segunda instãncia)
· Tribunal Administrativo Federal (ao nível Federal, terceira instãncia)

O Tribunal Administrativo Federal funciona sobretudo como um Tribunal de recurso para os Tribunais Administrativos Superiores e até para os Tribunais Administrativos Locais, em certas circunstãncias. O Tribunal Administrativo Federal funciona também como um Tribunal de primeira e segunda instãncia em litígios que não envolvam questões de constitucionalidade entre a federação e um estado ou entre dois ou mais estados. Um Tribunal Superior tem jurisdição no que toca aos actos das autoridades administrativas e às queixas contra os funcionários do Governo local do estado federado de que detém jurisdição. Alguns dos supremos orgãos federais estão isentos dos Tribunais Superiores.
Em Portugal são também três os tribunais que compõem a ordem dos Tribunais Administrativos (e Fiscais): O Supremo Tribunal Administrativo (terceira instãncia), o Tribunal Central Administrativo(segunda instãncia) e o Tribunal Administrativo de Círculo (primeira instãncia). Tal como o Tribunal Administrativo Federal, o Supremo Tribunal Administrativo que se apresenta como o seu correspondente português, pode também ter competências de 1ª e 2ª instãncia nos termos do artigo 24.º, nº 1 e 2 do ETAF e arigo 151.º do ETAF.

Legitimidade

Os cidadãos destinatários do acto e lesados pelo mesmo, que pretendem ver o acto anulado têm de alegar que os seus direitos foram violados, caso contrário não terão legitimidade para propor a acção. As pessoas que não são destinatárias do acto têm legitimidade para intentar uma acção se provarem que foram afectadas nos seus direito individuais pelo mesmo. Como regra, o requerente tem legitimidade se afirma que a administração violou disposições que servem não só para proteger o público em geral, mas também os seus direitos individuais.


O processo Administrativo

O processo administrativo é inquisitorial já que os tribunais administrativos são obrigados a investigar a verdade sem estarem vinculados às provas apresentadas pelas partes. No entanto o processo está sempre à disposição dos litigantes. Ao tribunal é proibido ir além do pedido do autor e este pode pôr fim ao processo com um acordo amigável ou simplesmnete retirando-se do processo a qualquer momento.
O processo é baseado no princípio da livre apreciação de provas. O tribunal decide de acordo com a convicção que livremente formou com base no resultado global do processo. Não existem regras estatutárias que confiram superioridade a um tipo de prova sobre outra.
Como já vimos, o processo nos tribunais administrativos alemães inicia-se com a propositura da acção. Nos tribunais de primeira instância, a acção não tem de obedecer a nenhuma forma específica. Qualquer pessoa pode intentar uma acção por si só através de um simples papel ou registá-la com a ajuda de um funcionário judicial. No entanto, nos Tribunais Administrativos Superiores e no Tribunal Administrativo Federal, as partes devem ser representadas por um advogado profissional ou por um professor universitário de Direito.
A decisão do Tribunal de Justiça vai depender do tipo de acção intentada pelo autor.

Tipo de acções

No Direito Administrativo alemão há, básicamente, cinco tipos de acções:
· Acções rescisórias (visam a anulação de um acto Administrativo). Também em Portugal há a acção de impugnação de actos administrativos que é herdeira do recurso contencioso de anulação, sendo que este, até à reforma de 2004, era o único meio processual existente para o Direito Administrativo português (artigo 50.º a 65.º do CPTA).
· Acções de anulação de normas emitidas pela Administração.Também o artigo 268.º, nº4 da CRP prevê a acção de declaração da ilegalidade de normas administrativas (artigo 73.º a 76.º do CPTA).
· Acções para a emissão de injunções obrigatórias (dirigidas à prática de um acto Administrativo). Em Portugal, apenas com a reforma de 2004 passaram a existir acções de condenação à prática do acto admninstratvo devido, antes disso ficcionava-se que o silêncio era um acto de indeferimento tácito para se poder fazer uso do único meio processual existente:o recurso de anulação de actos admnistrativos, com o qual impugnava-se o acto tácito de indeferimento.(artigo 66.º a 72.º do CPTA).
· Acções declarativas, que estabelecem a existência ou não existência de uma dada situação jurídica. As mesmas estão a par das acção de simples apreciação ou de reconhecimento de direitos, do Direito Administrativo Português prevsitas no artigo 268.º, nº4 da CRP e no artigo 37.º, alíneas a) e b) do CPTA.
· Acções gerais para o desempenho (instruindo as autoridades públicas a realizar uma actividade que não seja um acto administrativo em sentido estricto), que correspondem às acções de condenação do Direito Administrativo Portugês (artigo 37.º, nº 2, alíneas C), d) e e) do CPTA).

Para além destas acções regulares o Decreto dos Tribunais Administrativos prevê as providências cautelares e as medidas provisórias, com vista a garantir a tutela jurisdicional efectiva em casos urgentes. Também o Código de Processo nos Tribunais Administrativos Portugueses prevê processos urgentes nos termos dos artigos 97.º e ss e providências cautelares nos termos do artigo 111.º ao 134.º.
A propositura da acção nos tribunais administrativos alemães tem um efeito suspensivo dos efeitos do acto a não ser que lhe tenha sido atribuída provisoriamente força executória pela autoridade pública que o emitiu. Neste último caso, o efeito suspensivo poderá ser restabelecido por meio de medidas provisórias.
Conclindo, o modelo subjectivista de contencioso administrativo alemão, que tem vindo a influênciar o português ao ponto de se ter tornado a sua principal influência, caracteriza-se essencialmente pelo princípio da tutela jurisdicional efectiva dos direitos dos particulares, por uma vasta panóplia aberta de meios processuais, pela igualdade das partes em processo (o particular é titular dos mesmos meios processuais que a Administração para fazer valer a sua posição no processo), pelas sentenças do tribunal que produzem efeitos interpartes e pelos meios de execução das sentenças.


Bibliografia:

- SILVA, Vasco Pereira da. “O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise – Ensaio sobre as acções no novo processo administrativo”, Almedina, 2ª edição, 2009

- ALMEIDA, Mário Aroso. "O novo regime do Contencioso Administrativo"

- SOMMERMAMN, Karl-Peter. "El papel de la Ley Alemana de la Justicia Administrativa para la realización del Estado de Derecho"

- RATHENAU, Alexander. "O deferimento tácito"