Pretendemos, com a análise deste acórdão, responder à seguinte questão, que tem ocupado a Jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo: anulado contenciosamente o acto revogatório de acto tácito, qual a extensão do dever de reconstituição da situação que existiria se o acto revogatório não tivesse sido praticado?
Análise do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 29 de Novembro de 2005, Processo n.º 01855/02
De acordo com a jurisprudência maioritária a resposta a esta pergunta é afirmativa. Segundo o STA, no presente acórdão, “a sentença anulatória com efeitos retroactivos à data do acto anulado de revogação, implica o restabelecimento da situação que lhe era anterior, significando, neste caso, o ressurgimento na ordem jurídica do acto de deferimento tácito”. Assim sendo, o tribunal acrescenta que a não repristinação do acto levaria à criação de um vazio de regulamentação jurídica na situação do administrado, o que, constituiria um desproporcionado sacrifício para a tutela efectiva dos interesses deste que, depois de tudo, se viria privado de um acto constitutivo de direitos que se havia já subjectivado na sua esfera jurídica e da protecção do prazo para a sua revogação (art. 141º, nº2 CPA).
Segundo os Professores Aroso de Almeida e Freitas do Amaral, uma vez anulado contenciosamente um acto administrativo, a reintegração da ordem jurídica violada deve fazer-se mediante a reconstituição da situação que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado, nos termos do nº 1 do artigo 173º do CPTA. Com base na decisão do presente acórdão e da jurisprudência maioritária, uma vez aceite o restabelecimento da situação anterior, há ainda divergências quanto aos efeitos que a prática e vigência do acto revogatório, até ao momento da sua anulação contenciosa, projectam sobre a contagem do prazo de revogação (em caso de renovação do acto anulado).
Ora, no caso em análise temos, na verdade, quatro momentos. Um primeiro momento, a 14 de Março de 1992, que é o do acto de deferimento tácito (acto revogado). Já a 22 de Setembro de 1002, temos um segundo momento que é o do acto revogatório. Mais tarde, a 3 de Maio de 2000 temos o trânsito em julgado do acórdão anulado. Por fim, a 2 de Novembro de 2000 foi renovado o acto de indeferimento expresso, revogatório do acto de deferimento tácito repristinado. A questão que se coloca é a de saber se, na data em que a Administração renovou o acto de indeferimento expresso (2.11.2000), estava já excedido o prazo máximo de um ano para a revogação daquele acto constitutivo de direitos. Neste sentido, o STA decidiu e, a nosso entender, bem, que a Administração havia já excedido o tal prazo máximo de um ano. Segundo o Professor Freitas do Amaral, “a razão de ser da fixação de um prazo para a revogação de actos administrativos constitutivos de direitos é a protecção da confiança do administrado na palavra dada pela Administração”. Assim sendo, a partir da data da revogação não parece razoável que o administrado possa ter alimentado a confiança de que, por vontade da Administração, o deferimento tácito se estabilizaria na ordem jurídica na medida em que não seria uma confiança plausível. Em segundo lugar, entendeu o STA que o prazo de um ano para a Administração revogar o acto de diferimento tácito suspenderá após o primeiro acto revogatório, ao abrigo do nº 2 do art. 18º da LOSTA e do nº 2 do art. 141º do CPA. Neste sentido, recomeçar-se-á a contar o prazo de um ano a contar da data do trânsito em julgado da sentença anulatória. Caso assim não fosse, diz o tribunal, seria um “sacrifício excessivo para os interesses do particular e dos valores da segurança e estabilidade dos actos administrativos. E a protecção do interesse público não reclama mais do que a mera suspensão do prazo”.
O artigo 173.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos determina o dever de a Administração Pública, na sequência de uma sentença de anulação de um acto administrativo, repor o status quo ante, reconstituindo a situação que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado.
Esta questão tem merecido vasto tratamento Doutrinal e Jurisprudencial, não sendo contudo unânime o seu tratamento. Para uma linha (maioritária) tem defendido que a anulação contenciosa de acto revogatório implica a repristinação do acto revogado. Para outra linha tem sido sustentado que o acto revogado desaparece em definitivo com o acto revogatório é repristinado com a anulação contenciosa deste acto.
Dependendo da tese adoptada, os poderes da Administração Pública de conformação da relação jurídico-administrativa, no seguimento da sentença anulatória serão mais ou menos extensos. Efectivamente, entendendo-se que a anulação determina a repristinação do acto tácito, a Administração Pública deixará de estar em posição de apreciar a situação concreta, cuja regulação será resultado da inércia administrativa, entrando em confronto dois princípios basilares do ordenamento jurídico-administrativo: o princípio da boa administração e o princípio da tutela da confiança dos particulares.
REFERÊNCIAS DOUTRINÁRIAS
José Carlos Vieira de Andrade, “A Justiça Administrativa - Lições”, Coimbra, 2006, Almedina, 8.ª Edição
Mário Aroso de Almeida, “O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos”, Porto, 2005, Almedina, 4.ª Edição
Mário Aroso de Almeida, “Anulação de Actos Administrativos e Relações Jurídicas Emergentes”, Coimbra, 2002, Almedina
Vasco Pereira da Silva, “O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise – Ensaio sobre as Acções no Novo Processo Administrativo”, Lisboa, 2005, Almedina
Diogo Freitas do Amaral, “Estudos de Direito Público e Matérias Afins – Volume II”, Lisboa, 2004, Almedina
REFERÊNCIAS JURISPRUDENCIAIS
Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 29 de Novembro de 2005, Processo n.º 01855/02 (e todos os Acórdãos aí citados)
Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 18 de Outubro de 2007
Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 2 de Julho de 1996, Processo n.º 30778
Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 22 de Abril de 2004, Processo n.º 48140
Dependendo da tese adoptada, os poderes da Administração Pública de conformação da relação jurídico-administrativa, no seguimento da sentença anulatória serão mais ou menos extensos. Efectivamente, entendendo-se que a anulação determina a repristinação do acto tácito, a Administração Pública deixará de estar em posição de apreciar a situação concreta, cuja regulação será resultado da inércia administrativa, entrando em confronto dois princípios basilares do ordenamento jurídico-administrativo: o princípio da boa administração e o princípio da tutela da confiança dos particulares.
REFERÊNCIAS DOUTRINÁRIAS
José Carlos Vieira de Andrade, “A Justiça Administrativa - Lições”, Coimbra, 2006, Almedina, 8.ª Edição
Mário Aroso de Almeida, “O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos”, Porto, 2005, Almedina, 4.ª Edição
Mário Aroso de Almeida, “Anulação de Actos Administrativos e Relações Jurídicas Emergentes”, Coimbra, 2002, Almedina
Vasco Pereira da Silva, “O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise – Ensaio sobre as Acções no Novo Processo Administrativo”, Lisboa, 2005, Almedina
Diogo Freitas do Amaral, “Estudos de Direito Público e Matérias Afins – Volume II”, Lisboa, 2004, Almedina
REFERÊNCIAS JURISPRUDENCIAIS
Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 29 de Novembro de 2005, Processo n.º 01855/02 (e todos os Acórdãos aí citados)
Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 18 de Outubro de 2007
Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 2 de Julho de 1996, Processo n.º 30778
Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 22 de Abril de 2004, Processo n.º 48140
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