domingo, 13 de dezembro de 2009

Os Efeitos Repristinatórios da Sentença de Anulação do Acto Administrativo Revogatório

Pretendemos, com a análise deste acórdão, responder à seguinte questão, que tem ocupado a Jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo: anulado contenciosamente o acto revogatório de acto tácito, qual a extensão do dever de reconstituição da situação que existiria se o acto revogatório não tivesse sido praticado?
Análise do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 29 de Novembro de 2005, Processo n.º 01855/02
De acordo com a jurisprudência maioritária a resposta a esta pergunta é afirmativa. Segundo o STA, no presente acórdão, “a sentença anulatória com efeitos retroactivos à data do acto anulado de revogação, implica o restabelecimento da situação que lhe era anterior, significando, neste caso, o ressurgimento na ordem jurídica do acto de deferimento tácito”. Assim sendo, o tribunal acrescenta que a não repristinação do acto levaria à criação de um vazio de regulamentação jurídica na situação do administrado, o que, constituiria um desproporcionado sacrifício para a tutela efectiva dos interesses deste que, depois de tudo, se viria privado de um acto constitutivo de direitos que se havia já subjectivado na sua esfera jurídica e da protecção do prazo para a sua revogação (art. 141º, nº2 CPA).
Segundo os Professores Aroso de Almeida e Freitas do Amaral, uma vez anulado contenciosamente um acto administrativo, a reintegração da ordem jurídica violada deve fazer-se mediante a reconstituição da situação que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado, nos termos do nº 1 do artigo 173º do CPTA. Com base na decisão do presente acórdão e da jurisprudência maioritária, uma vez aceite o restabelecimento da situação anterior, há ainda divergências quanto aos efeitos que a prática e vigência do acto revogatório, até ao momento da sua anulação contenciosa, projectam sobre a contagem do prazo de revogação (em caso de renovação do acto anulado).
Ora, no caso em análise temos, na verdade, quatro momentos. Um primeiro momento, a 14 de Março de 1992, que é o do acto de deferimento tácito (acto revogado). Já a 22 de Setembro de 1002, temos um segundo momento que é o do acto revogatório. Mais tarde, a 3 de Maio de 2000 temos o trânsito em julgado do acórdão anulado. Por fim, a 2 de Novembro de 2000 foi renovado o acto de indeferimento expresso, revogatório do acto de deferimento tácito repristinado. A questão que se coloca é a de saber se, na data em que a Administração renovou o acto de indeferimento expresso (2.11.2000), estava já excedido o prazo máximo de um ano para a revogação daquele acto constitutivo de direitos. Neste sentido, o STA decidiu e, a nosso entender, bem, que a Administração havia já excedido o tal prazo máximo de um ano. Segundo o Professor Freitas do Amaral, “a razão de ser da fixação de um prazo para a revogação de actos administrativos constitutivos de direitos é a protecção da confiança do administrado na palavra dada pela Administração”. Assim sendo, a partir da data da revogação não parece razoável que o administrado possa ter alimentado a confiança de que, por vontade da Administração, o deferimento tácito se estabilizaria na ordem jurídica na medida em que não seria uma confiança plausível. Em segundo lugar, entendeu o STA que o prazo de um ano para a Administração revogar o acto de diferimento tácito suspenderá após o primeiro acto revogatório, ao abrigo do nº 2 do art. 18º da LOSTA e do nº 2 do art. 141º do CPA. Neste sentido, recomeçar-se-á a contar o prazo de um ano a contar da data do trânsito em julgado da sentença anulatória. Caso assim não fosse, diz o tribunal, seria um “sacrifício excessivo para os interesses do particular e dos valores da segurança e estabilidade dos actos administrativos. E a protecção do interesse público não reclama mais do que a mera suspensão do prazo”.
O artigo 173.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos determina o dever de a Administração Pública, na sequência de uma sentença de anulação de um acto administrativo, repor o status quo ante, reconstituindo a situação que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado.
Esta questão tem merecido vasto tratamento Doutrinal e Jurisprudencial, não sendo contudo unânime o seu tratamento. Para uma linha (maioritária) tem defendido que a anulação contenciosa de acto revogatório implica a repristinação do acto revogado. Para outra linha tem sido sustentado que o acto revogado desaparece em definitivo com o acto revogatório é repristinado com a anulação contenciosa deste acto.
Dependendo da tese adoptada, os poderes da Administração Pública de conformação da relação jurídico-administrativa, no seguimento da sentença anulatória serão mais ou menos extensos. Efectivamente, entendendo-se que a anulação determina a repristinação do acto tácito, a Administração Pública deixará de estar em posição de apreciar a situação concreta, cuja regulação será resultado da inércia administrativa, entrando em confronto dois princípios basilares do ordenamento jurídico-administrativo: o princípio da boa administração e o princípio da tutela da confiança dos particulares.


REFERÊNCIAS DOUTRINÁRIAS

José Carlos Vieira de Andrade, “A Justiça Administrativa - Lições”, Coimbra, 2006, Almedina, 8.ª Edição
Mário Aroso de Almeida, “O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos”, Porto, 2005, Almedina, 4.ª Edição
Mário Aroso de Almeida, “Anulação de Actos Administrativos e Relações Jurídicas Emergentes”, Coimbra, 2002, Almedina
Vasco Pereira da Silva, “O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise – Ensaio sobre as Acções no Novo Processo Administrativo”, Lisboa, 2005, Almedina
Diogo Freitas do Amaral, “Estudos de Direito Público e Matérias Afins – Volume II”, Lisboa, 2004, Almedina


REFERÊNCIAS JURISPRUDENCIAIS

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 29 de Novembro de 2005, Processo n.º 01855/02 (e todos os Acórdãos aí citados)
Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 18 de Outubro de 2007
Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 2 de Julho de 1996, Processo n.º 30778
Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 22 de Abril de 2004, Processo n.º 48140

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