quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Recurso da recusa do Visto - Turma 4

Exmo. Sr. Dr. Juiz de Direito
Do Tribunal de Contas
O Instituto das Estradas de Portugal, S.A., sociedade anónima de capitais públicos, com capital social de 200.000.000 €, detido na sua totalidade pelo Estado Português, com sede social na Rua do Quebra Cabeças, nº 240, sita em “Todo o Lado”, neste acto representada pelos advogados da “Sociedade Divã e Associados”, com escritório profissional no Beco sem Saída, n.º 13, onde recebe notificações e intimações,
vem respeitosamente, à presença de V. Exa., nos termos do artigo 96º, nº 1, alínea b) da Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas (LOPTC),
RECORRER da recusa do Visto Prévio do Tribunal de Contas que considera inválidos os contratos de empreitada e concessão da auto-estrada A/5401, “Para Sítio Nenhum”.
I. Dos Factos
1º.
Em Junho de 2009 o Instituto de Portugal, S.A, de ora avante designado por IEP, lançou um concurso público com vista à construção de uma auto-estrada “Para sítio Nenhum”.
2º.
À data da sua publicação foi apresentado o Programa de Concurso, compreendendo os critérios de ingressão e as características do processo de selecção do concessionário.
3º.
Apresentaram-se ao concurso quatro entidades: as empresas “Paisagens de Alcatrão”, “Auto-Betão”, “Emboida de Petróleo” e “Traços Alcatroados”.
4º.
O Programa de Concurso decorreu em duas fases, sendo que na primeira se procedeu à qualificação e avaliação de propostas; e na segunda às negociações, visando melhorar as propostas seleccionadas e escolher a concessionária.
5º.
Na primeira fase, a “Paisagens de Alcatrão” e a “Traços Alcatroados”, obtiveram a melhor qualificação de acordo com os critérios exigidos no Programa de Concurso, tendo sido desde logo preteridas as duas outras entidades concorrentes.
6º.
Na segunda fase do concurso, ambas as propostas foram reavaliadas e obtiveram uma pontuação global inferior áquela que se registou na primeira fase.
7º.
O Valor Actualizado Líquido (VAL) do esforço financeiro do IEP aumentou com as novas propostas, uma vez que o próprio investimento feito pelas potenciais concessionárias também sofreu um aumento proporcional.
8º.
Este aumento da despesa pública justifica-se pelo facto de entre a 1ª e a 2ª fases do procedimento, se ter verificado uma significativa degradação do contexto económico e financeiro, decorrente da grave crise financeira global.
9º.
A crise mundial teve repercurssões directas nos termos e condições de financiamento propostos pelas entidades financiadoras às concessionárias, implicando um aumento do valor a investir pela consessionária, e consequentemente um aumento do VAL para o IEP.
10º.
No quadro da conjuntura vigente, o IEP seleccionou a sociedade que no quadro de maior despesa necessária, apresentava a solução mais equilibrada, com vantagens não só quanto ao investimento efectuado, mas sobretudo pelo compromisso de eficiência em termos de tempo na constução da auto-estrada.
11º.
No dia 22 de Setembro de 2009, a sociedade “Paisagens de Alcatrão” ganhou o concurso de adjudicação da exploração e manutenção da concessão rodoviária de “Para Sítio Nenhum”, tendo sido celebrado o contrato de concessão.
12º.
Na sequência da elaboração do contrato, a concessionária iniciou os trabalhos preparatórios da obra descrita supra, tendo celebrado os negócios jurídicos necessários ao início das obras, como é exemplo a contratação de trabalhadores, a compra de materiais e a montagem de casas pré-fabricadas de apoio.
13º.
As obras do troço “São Nunca à Tarde” – “Contencioso-o-Novo”, com a extensão de trinta quilómetros, tiveram início no passado dia 10 de Novembro de 2009, alcançando, no presente, uma extensão de vinte e sete quilómetros e encontrando-se já numa fase de finalização.
14º.
Aquando do início das obras, o IEP procedeu ao requerimento do Visto Prévio junto do Tribunal de Contas.
15º.
No passado dia 2 de Dezembro de 2009, o Tribunal de Contas recusou-se a conceder o Visto Prévio para a obra em questão, considerando o contrato de concessão referido inválido, com fundamento tanto em vícios de ordem formal como material.
16º.
O IEP, embora respeitando a autoridade do Tribunal de Contas, não concorda com a decisão adoptada, vindo por isso proceder à interposição de recurso, considerando que tem argumentos fortes para que a decisão seja reavaliada.
II. Do Direito
17º.
O Tribunal afirma na sua argumentação ser ilegal o aumento do investimento público e injustificada a escolha da proposta em causa, dado que agora pretendemos rebater.
18º.
No plano jurídico é de referir, desde logo, o artigo 99º do Código dos Contratos Públicos que admite a possibilidade do IEP ajustar o conteúdo do contrato a celebrar, desde que tal resulta de exigências de interesse público, sendo de facto este o elemento central da nossa argumentação e que iremos explicitar mais à frente.
19º.
Pode-se também proceder a análise da questão da alteração das circunstâncias, referida no artigo 198º do Decreto-Lei 59/99: “as circunstâncias em que as partes hajam fundado a decisão de contratar sofram alteração anormal imprevisível (...) o empreiteiro terá direito à revisão do contrato”.
20º.
De acordo com uma interpretação extensiva desta disposição, a alteração das circunstâncias tem relevância não só na fase contratual, como também na fase pré-contratual.
21º.
O artigo 198º do Decreto-Lei 59/99 é aplicável ainda antes da celebração do contrato, uma vez que ratio legis da norma implica qualquer relação entre a empresa “Paisagens de Alcatrão” e a Administração. Não se trata apenas do contrato em execução, mas essencialmente da existência de colaboração do particular para com a Administração com a finalidade de prosseguir interesse público.
22º.
A colaboração do particular com a Administração apela a um dever de lealdade para com o concessionário seleccionado, uma vez que mesmo antes da celebração do contrato deve ser tutelada a relação já existente.
23º.
Consequência do argumento referido, advém o princípio da protecção da confiança pré-contratual. No entender de Menezes Cordeiro, a protecção in contrahendo, tanto se aplica ao direito privado como ao direito público.
24º.
De acordo com o artigo 5º das Parcerias Público-Privadas, é imperativo o princípio da repartição dos riscos, que significa que ambas as partes devem suportar de forma equilibrada os riscos decorrentes da parceria.
25º.
O facto de se ter registado um aumento do VAL, não representa uma excesssiva transferência de risco para o IEP, uma vez que também a sociedade “Paisagens de Alcatrão” verifica um aumento do capital a investir que não seria de prever na 1ª fase do concurso.
26º.
Qualquer um dos concorrentes, no contexto actual, teria de proceder a uma alteração das suas propostas no sentido do aumento levado a cabo pela “Paisagens de Alcatrão”.
27º.
A crise financeira, que levou à falência das maiores instituições de crédito e sociedades financeiras mundiais, determinou uma escassez de crédito global que, por sua vez, implicou: por um lado, a injecção de dinheiro público para segurar os maiores Bancos (problema do to big to fail e do risco sistémico); por outro, o aumento do preço do dinheiro, ou seja, os Bancos para poderem emprestar dinheiro teriam de o ter, mas por ele passaram a pagar mais aos Bancos Centrais (que são os únicos emissores de moeda).
28º.
Deste modo, aqueles que já beneficiavam de empréstimos bancários – como era o caso de todos os concorrentes que se apresentaram ao concurso de construção desta auto-estrada – passaram a pagar mais por eles, por efeito da subida dos juros. Numa linguagem técnica e tipicamente financeira diz-se que o custo do funding bancário aumentou e que esse custo foi repassado para os clientes dos Bancos.
29º.
O aumento dos juros decorre da aplicação de uma taxa, resultante de uma decisão da competência exclusiva do Banco Central Europeu, e que, por isso, tem o mesmo impacto em todas as propostas de todos os candidatos que se apresentaram ao concurso de construção desta auto-estrada.
30º.
Assim sendo, todas as empresas que iriam recorrer a financiamento bancário sofreriam um aumento da taxa de juro, e consequentemente o custo de construção da auto-estrada aumentaria de forma proporcional em todas as propostas. Com isto se pretende demonstrar que a diferença entre os valores apresentados pelas empresas concorrentes manter-se-ia inalterado.
31º.
Mais, a “Paisagens de Alcatrão” viu-lhe ser atribuída a empreitada e concessão da auto-estrada não só pelo critério financeiro, mas sobretudo pelo prazo de execução da obra a que se propôs. Insistimos, por razões de interesse público – importância económica e social da construção da obra – a empresa “Paisagens de alcatrão”, vencedora do concurso, não foi a que apresentou o orçamento mais reduzido.
32º.
Todos estes argumentos concorrem para uma única conclusão possível: não houve uma verdadeira alteração relativa das condições das propostas daqueles que se sujeitaram a concurso, mas sim absoluta.
33º.
Se se entender, como fez o Tribunal de Contas, que ocorreu uma ilegalidade no decorrer do procedimento concursal e que tal seria suficiente para ouvir todos os concorrentes novamente, o interesse público seria colocado em causa.
34º.
De acordo com o artigo 4.º do Código do Procedimento Administrativo, «compete aos órgãos administrativos prosseguir o interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos».
35º.
É de entendimento unânime que o princípio do interesse público consiste no interesse prosseguido pela sociedade e pela colectividade. Está em causa um interesse do todo e uma função qualificada do interesse das partes. Trata-se de uma dimensão dos direitos individuais, vista sob um prisma colectivo.
36º.
Conforme esta interpretação, entendeu o IEP que o interesse público associado à construção da auto-estrada justificava, e continua a justificar, a urgência da empreitada, resultando daqui a preferência dada à proposta que envolvia o prazo mais reduzido para conclusão da obra.
37º.
O investimento público assume-se como uma forma de combate à crise. Num tempo de manifesta contracção da economia, as obras públicas em geral, e a construção de vias de comunicação em particular, como esta auto-estrada, assumem enorme importância.
38º.
Tal só é possível medianteparcerias público-privada, o Estado intervém na economia mediante a transferência de recursos do sector público para o sector privado, tendencialmente mais eficiente. Isto é, a realização de despesa pública configura uma injecção de dinheiro na economia, a ser absorvido pelas empresas. Estas, por sua vez, por força da escassez de recursos – as empresas têm menos facilidade em adquirir receitas – adoptam como critério a regra do óptimo, produzindo o mais possível com o menor custo possível.
39º.
O Estado combate, deste modo, as dificuldades de tesouraria das empresas, que passam a poder manter os postos de trabalho dos seus trabalhadores e pagar aos fornecedores. O emprego é, pois, um aspecto central desta empreitada.
40º.
As consequências negativas a nível social que se iriam repercutir na sociedade se a obra fosse interrompida trariam um impacto devastador, pois devido à obra assistimos à criação de empregos directos, como indirectos e uma consequente diminuição da taxa de desemprego a nível nacional.
41º.
As auto-estradas, enquanto vias-rápidas, diminuem distâncias e custos de transporte das mercadorias. As empresas têm, assim, uma oportunidade flagrante para se fixarem nas zonas que beneficiarão de tais acessos, o que gerará novos postos de trabalho e permitirá um melhor escoamento de produtos, aumentando, porventura, a produção.
42º.
O aumento da produção tem uma repercussão directa no aumento das encomendas de matérias-primas a fornecedores. Desta forma, é toda uma economia local que retira proveito da construção.
43º.
O investimento público determina, ainda, um desenvolvimento da economia a nível nacional de forma equilibradapela valorização das potencialidades das zonas do interior assistindo-se assim a uma descentralização de aproveitamento de recursos.
44º.
Fica, assim, demonstrada a importância económica e social da realização desta empreitada, e, consequentemente, a necessidade do IEP eleger o concorrente que apresentou o prazo de construção mais reduzido.
III. Conclusões
Nestes termos e nos demais de Direito aplicáveis, pede-se ao Tribunal a reponderação da decisão de recusa do Visto Prévio e a suspensão imediata dos efeitos da respectiva sentença, por se considerar justificado qualquer eventual vicio do procedimento pré-contratual, frisando novamente a prossecução do interesse público que o IEP tem como intuito.

Lisboa, 16 de Dezembro de 2009
Os Advogados da “Sociedade Divã e Associados”, representantes do Instituto das Estradas de Portugal,
Ana Kleba
Maria Ana Manoel
Maria Luísa Cyrne
Pedro Ramos
Tomás van Zeller

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