quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Ministério Público - Turma 4

Simulação de Julgamento

Contencioso Administrativo

Aula prática de 16/12/09

Posição: Ministério Público

Âmbito de jurisdição: A jurisdição competente é a jurisdição administrativa nos termos do artigo 4.º, n.º 1, al. f) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.

Legitimidade do Ministério Público: O Ministério Público, enquanto organismo estadual, a quem está cometida a tarefa de zelar, a título institucional, pela defesa da legalidade e do interesse público, nos termos do artigo 219.º, n.º 1 da CRP e artigo 1.º do Estatuto do Ministério Público, aprovado pela Lei n.º 47/86, de 15 de Outubro, é, desde a reforma do Contencioso Administrativo de 2004, um ente com poderes alargados de intervenção no processo, tanto a nível de emissão de pareceres como (85.º/1 do CPTA) como enquanto autor (85.º, n.º1, última parte). Nos termos dos poderes que lhe competem enquanto sujeito processual, por via da acção pública e atentando o disposto no artigo 9.º , n.º 2 do Código de Processo dos Tribunais Administrativos, o MP tem legitimidade para intentar a presente acção administrativa (uma vez que a intervenção não foi solicitada pelas concessionárias concorrentes nos termos do artigo 85.º do CPTA).

Visto do Tribunal de Contas

O exercício da função administrativa pressupõe uma íntima ligação com o Tribunal de Contas (a eficácia e execução do contrato, que se insere numa relação jurídico-administrativa depende da concessão de um visto do TC). Qual o efeito jurídico da recusa do visto prévio do tribunal de contas relativamente aos contratos de empreitada e concessão da auto-estrada A/5401 “Para Sítio Nenhum”? Nos termos da Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas (Lei 98/97, de 26 de Agosto), com as alterações introduzidas pelas Leis 35/2007, de 13 de Agosto e 48/2006, de 29 de Agosto, a fiscalização prévia visa verificar se os actos e contratos estão conformes às leis em vigor e se os respectivos encargos têm cabimento em verba orçamental própria (artigo 44.º, n.º 1 LOPTC). Os actos e contratos, apesar de estarem sujeitos a fiscalização prévia do Tribunal de Contas (artigo 46.º, n.º 1, al. b) da LOPTC) podem produzir os seus efeitos antes da emissão do visto (artigo 45.º). Assim sendo, a obra poderia começar sem emissão do visto prévio. No entanto, houve recusa de emissão de visto prévio por uma das razões do artigo 44.º, n.º 3, sendo que essa recusa leva à ineficácia jurídica deste contrato após a notificação (45.º, n.º 2). Além do mais, invoca a empresa construtora que a recusa de visto “apenas dificulta os pagamentos, não impedindo que as obras continuem a decorrer com toda a normalidade”. Na verdade, com base no disposto no artigo 45.º, n.º 3 da LOPTC, apenas poderá haver pagamento dos trabalhos realizados até à data da notificação da recusa do visto ainda que estes pagamentos sejam efectuados posteriormente.

Execução e cumprimento da sentença: Nos termos do artigo 65.º, n.º1, al. h) da LOPTC, o TC aplica multas pela execução de contratos a que tenha sido recusado o visto e, ainda, nos termos do artigo 66.º, n.º 1, alínea d), pode o Tribunal aplicar multas por colaboração injustificada com o Tribunal.

Para além disto, esta execução pode dar origem a um crime de desobediência por parte da concessionária, nos termos do artigo 348.º, n.º 1, al. b) do Código Penal, de forma a assegurar o efeito útil da recusa do visto para aqueles que poderiam ter capacidade financeira para suportar o montante máximo das multas.

Acção Administrativa Comum

Conforme o disposto no artigos 40.º, n.º 1, al. b) do CPTA (legitimidade em acções relativas à validade de contratos), intenta-se uma acção administrativa comum, de simples apreciação, na forma de processo ordinário (artigos 42.º e 35.º do CPTA), para a declaração da invalidade dos contratos (artigo 37.º, n.º 2, al. h)). Os contratos de empreitada e concessão de obras públicas em causa é insusceptível de modificação e inválido. Em primeiro lugar, a empresa de construção “Paisagens de Alcatrão” alega uma modificação do preço estabelecido no contrato relativamente ao previamente estabelecido no caderno de encargos com base numa alteração superveniente de circunstâncias, nos termos do artigo 437.º do Código Civil, fundada na recente crise económica. Ora, de acordo com os requisitos deste artigo, a alteração das circunstâncias apenas poderá ser legitimamente invocada quando não se encontrar coberta pelos riscos próprios do contrato, o que manifestamente não se verifica, ou, sendo anormal, o que também não acontece. Até que ponto pode uma evolução de um ciclo económico e uma crise cujo início já data de 2006 ser invocada como motivo de alteração de uma proposta que ganhou um concurso público quando o prazo que medeia a apresentação do caderno de encargos à celebração e execução do contrato é visivelmente curto. Pelo disposto no artigo 437.º do Código Civil, a empresa construtora encontra-se impedida de modificar o contrato e, por violação do caderno de encargos com o qual foi eleita a melhor proposta, o contrato é inválido por violação dos artigos 284.º, n.º 1 e 2, 286.º, e 287.º, n.º 1 do Código dos Contratos Públicos (violação dos princípios da boa fé, e da concorrência), sem desconsiderar os restantes vícios assinalados pelo Tribunal de Contas.

Alem do mais, a título subsidiário, intenta-se ainda acção comum de condenação para condenação à abstenção de comportamentos (artigo 37.º, n.º 2, alínea c) do CPTA), com legitimidade de novo pelo artigo 9.º, n.º 2 do CPTA.

Tratando-se de uma acção administrativa comum, esta pode ser proposta a todo o tempo, nos termos do artigo 41.º, n.º 1 do CPTA. Ainda que se entenda que a consequência da invalidade é a anulabilidade, e aí o prazo seria de 6 meses (artigo 41.º, n.º 2 do CPTA), que ainda não decorreu no que toca ao conhecimento do clausulado por parte do Ministério Público.

Providência Cautelar:

Em anexo, junta-se requerimento para decretação concomitante de uma providência cautelar conservatória (manutenção do status quo ex ante), com o momento e forma de pedido previstos no artigo 114.º do CPTA, para suspensão imediata das obras da auto-estrada A/5401. Nos termos do artigo 112.º visa-se assegurar a utilidade da sentença a proferir quanto ao pedido principal acima formulado, uma vez que se a providência não for adoptada imediatamente, corre-se o risco da verificação do facto consumado e da irreversibilidade do dano. Assim sendo, nos termos do artigo 112.º, n.º 2, al. f) vem-se requerer a intimação do Instituto das Estradas de Portugal e da empresa construtora “Paisagens de Alcatrão” para abstenção de conduta, por fundado receio de violação de normas de direito administrativo (Código dos Contratos Públicos – artigos 284.º/1, 286.º e 287.º).

Quanto aos pressupostos para a decretação da providência cautelar, conclui-se que há a verificação de todos na presente situação. Em primeiro lugar, verifica-se o pressuposto comum do periculum in mora, uma vez que há fundado receio de constituição de uma situação de facto consumado que se traduz na conclusão das obras em questão.

Verifica-se, igualmente, nos termos do artigo 120.º, n.º 1, al. b), parte final, o chamado fumus boni juris negativus ou fumus non malus juris, o que significa que a falta de fundamento da pretensão não é manifesta, uma vez que já se demonstrou a invalidade do contrato em questão e o próprio Tribunal de Contas recusou o visto com base em vícios materiais e formais do contrato. É mais do que aparente que há razão na presente demanda.

Por fim, no que respeita ao último pressuposto, a proporcionalidade na vertente do equilíbrio (artigo 120.º, n.º 2 do CPTA), na ponderação de uma relação custo/benefício, verifica-se uma preponderância do interesse público (defesa da legalidade em virtude de o contrato ser inválido por violação do CCP, defesa dos contra-interessados tendo em conta a violação do princípio da boa fé e da concorrência por violação do caderno de encargos na celebração do contrato de concessão e defesa da legalidade de afectação de despesas públicas dos contribuintes) sobre o interesse da empresa construtora e do Instituto das Estradas de Portugal (continuação de uma obra com recusa de visto de Tribunal de Contas, autonomia privada e alteração discricionária dos montantes da proposta dos cadernos de encargos).

As Procuradoras

Alexandrina Melancia (140106074)

Dearbháile Banahan (140106061)

Inês Barroso (140106119)

Joana Gomes (140106001)

Petra Carreira (140106122)

Rita Cruz (140106527)

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