quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Petição Inicial - Turma 3


Petição Inicial - Responsabilidade pré-contratual


Ex.mo Senhor Juiz de Direito do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa





PAISAGENS DE ALCATRÃO, S.A., com sede na Av. da Liberdade, n.º 0007, em LISBOA;

Vem, nos termos dos arts. 4.º, n.º 1, alíneas e) e f), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) e do art. 37.º, n.os 1 e 2, alínea h), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), propor a presente acção administrativa comum, com processo ordinário, contra:


INSTITUTO DE ESTRADAS DE PORTUGAL, com sede em na Av. da República, em LISBOA;


Com os seguintes fundamentos:


A – OS FACTOS:


1.º
A Autora é uma sociedade anónima cujo objecto social é a projecção, lançamento e realização de obras de construção civil, actuando, nomeadamente, através de empreitadas de obras particulares e, especialmente, de obras públicas.

2.º
Por se encontrar também tal actividade compreendida no seu objecto social, a Autora tem sido outorgante de contratos de concessão de obras públicas, no âmbito dos quais se obriga, perante as respectivas entidades públicas concedentes, a conceber e executar obras públicas, especialmente no domínio rodoviário, tendo como contrapartida o direito de exploração dessas mesmas obras durante determinado período.

3.º
Em Setembro de 2008, a Ré lançou um concurso público internacional, através da necessária publicitação, para a concepção, construção e exploração da auto-estrada designada A/5401 – “Para Sítio Nenhum”.

4.º
A Autora apresentou-se a este concurso, com uma proposta que, tendo ultrapassado todas as fases concursais, veio a ser aceite pela Ré, tendo-lhe sido adjudicado, em 1 de Abril de 2009, o contrato de empreitada para a concepção e construção daquela auto-estrada e, bem assim, o contrato de concessão para a sua exploração. Nessa mesma data, foi assinado o contrato.

5.º
Na dita adjudicação ficou ajustado, como contrapartida dos trabalhos relativos ao projecto (concepção) dessa obra a realizar pela Autora, o pagamento pela Ré da importância de € 1.000.000,00, conforme documento que se junta.

6.º
Pela execução da mesma auto-estrada, ficou estabelecido o pagamento pela Ré à Autora da importância de € 20.000.000,00, a efectuar faseadamente, consoante os avanços da mesma obra, conforme documento junto.

7.º
Quanto à concessão da exploração, ficou convencionado, como se comprova pelo documento que se junta, que a Autora obteria uma retribuição a pagar pelos utentes dessa via, retribuição traduzida em portagens a cobrar.


8.º
De imediato, iniciou a Autora a execução da empreitada de construção da referida auto-estrada, concretizando o projecto de concepção, nas suas diversas componentes, que fora escolhido pela Ré.

9.º
Assim, a Autora instalou, em diversos locais, correspondentes a sucessivos lanços dessa auto-estrada, estaleiros de obra, constituídos por um numeroso conjunto de veículos, máquinas e demais equipamentos de apoio à obra e ao respectivo pessoal.

10.º
A Autora foi obrigada a contratar 50 trabalhadores, muitos deles qualificados, para reforço do seu pessoal já que a dimensão e complexidade da obra assim o impunha.

11.º
Procedeu, de imediato, a terraplanagens, laborando ininterruptamente, sábados e domingos incluídos, procedendo ainda à construção de viadutos e outras obras de arte, incluídas no programa do concurso.

12.º
Sucede que, em 30 de Maio de 2009, a Autora teve conhecimento de que o Tribunal de Contas recusara a concessão do visto prévio ao contrato que celebrara com a Ré, por indicados vícios de ordem formal e material, conforme melhor consta da sentença daquele Tribunal, cuja certidão se junta.

13.º
A Autora é absolutamente alheia a tal decisão, sendo que nunca interveio naquele processo, nem foi notificada para ali intervir.

14.º
Muito embora deva manifestar a sua discordância quanto à verificação dos vícios considerados naquela decisão, a Autora considera-se alheia quanto à sua existência.

15.º
Na verdade, a Autora cumpriu escrupulosamente todos os trâmites do concurso aberto e conduzido pela Ré, desconhecendo totalmente que vícios procedimentais terão sido cometidos, sendo que se considera alheia ao facto de os encargos que aquela se comprometeu assumir terem ou não cabimento em verbas orçamentais próprias.

16.º
Efectivamente, todo o procedimento concursal foi planeado e executado pela Ré e seus serviços, enquanto entidade adjudicante, acreditando a Autora que todas as normas do Código dos Contratos Públicos e todas as demais normas legais foram por ela respeitadas.

17.º
A Autora e, segundo crê, os demais concorrentes, reafirma a confiança que esse concurso lhe mereceu e participou nele de boa fé, actuando conforme os trâmites que lhe iam sendo indicados pela Ré.

18.º
Nunca teve ou suspeitou de quaisquer razões que implicassem a ocorrência de situações de ilegalidade ou de qualquer fundamento para a recusa do visto pelo Tribunal de Contas.

19.º
Em consequência da decisão do Tribunal de Contas, o contrato tornou-se ineficaz em termos financeiros, nos termos do artigo 45.º da Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas (LOPTC), aprovada pela Lei n.º 98/97, de 26 de Agosto.

20.º
A Autora continuou com a empreitada, realizando todas as obras planificadas, após ter sido notificada da decisão do Tribunal de Contas.

21.º
Fê-lo, no entanto, por determinação da Ré que lhe garantiu que as questões suscitadas por aquele Tribunal seriam ultrapassadas e que a continuação da obra era absolutamente necessária para o interesse das populações servidas pela auto-estrada «Para Sítio Nenhum».

22.º
Não obstante a Ré ter imposto o prosseguimento dos trabalhos, a Autora não recebeu nenhuma das importâncias parcelares correspondentes à obra executada de acordo com a planificação constante do contrato.

23.º
Nesta data, nos termos do contrato, e tendo em conta os trabalhos executados, a Ré é devedora à Autora da importância de € 5.000.000,00. Junta-se mapa comprovativo dos trabalhos executados e correspondentes importâncias.

24.º
As obras já realizadas e bem patentes no terreno foram objecto de fiscalização pelos serviços da Ré, nunca tendo merecido qualquer reparo da sua parte.


B – O DIREITO:


25.º
A presente pretensão assenta na responsabilidade pré-contratual na medida em que se entende que a eficácia do contrato aqui em causa se encontra sujeito à condição suspensiva da concessão do visto pelo Tribunal de Contas.

26.º
Por outro lado, apesar de a recusa do visto implicar a ineficácia financeira, constituindo fundamento para a não realização de pagamentos(cfr. art. 45.º, n.º 1, da LOPTC), essa ineficácia, atendendo ao objecto do contrato, obsta à plena efectivação ou execução do plano contratual. Como se afirma no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 23/09/2003 (disponível em www.dgsi.pt), não se trata aqui de uma situação de incumprimento contratual, mas de uma situação de responsabilidade pré-contratual a qual «tanto se dá no caso de ruptura das negociações, como no caso de o contrato se concluir e vier a ser declarado nulo ou ineficaz». Como também se afirma no Acórdão do mesmo Tribunal, de 12/02/2009 (disponível em www.dgsi.pt), «a recusa do visto – talhado para permitir ou desbloquear os efeitos financeiros do contrato – impede a produção de todos os efeitos deste, visto que não é concebível que à realização da prestação do adjudicatário (execução da obra), não possa corresponder a contraprestação pecuniária do adjudicante (pagamento do preço).

27.º
Ora a Autora realizou a sua prestação contratual (parcial), tendo, consequentemente, direito à contraprestação devida pela Ré, com fundamento no artigo 227.º do Código Civil, sendo que se mostra bem evidenciada a culpa daquela na formação do contrato de empreitada e de concessão da obra pública.

28.º
A Autora reafirma que os factos de que resultou a ineficácia do contrato, por inviabilização da verificação da condição suspensiva (visto prévio) ficaram a dever-se única e exclusivamente à Ré e assentes em culpa sua.

29.º
Acresce que a Ré, em consequência da realização das obras, obteve um ganho e que, não as pagando, se locupleta à custa da Autora.

30.º
Na verdade, a Autora ficou empobrecida na medida em que realizou investimentos e executou obras sem obter a correspondente remuneração e a Ré, por seu lado, enriqueceu o seu património sem qualquer contrapartida pecuniária, verificando-se, deste modo, os requisitos do enriquecimento sem causa consagrados no artigo 473.º do Código Civil.


31.º
Também com este fundamento é devido à Autora o ressarcimento dos danos que lhe advieram com os factos descritos.

C – OS DANOS

32.º
A Ré não procedeu ao pagamento da quantia de € 1.000.000,00 pela concepção e projecto da obra adjudicada.

33.º
A Ré é ainda devedora à Autora da importância de € 5.000.000,00 por esta despendida com as obras já realizadas, no interesse daquela.

34.º
São estes os danos que emergem da responsabilidade pré-contratual aqui exercitada, correspondentes aos danos que a Autora não teria se não tivesse celebrado o contrato (dano de confiança).


Nestes termos,

Deve a presente acção ser julgada provada e procedente e, em consequência, ser a Ré condenada no pagamento à Autora da quantia de € 6.000.000,00, acrescida dos juros de mora que se vencerem até final, contados desde a citação.

Juntam-se: duplicados legais e 4 documentos.


As Advogadas

Sara Augusto de Matos
Margarida Brito da Cruz

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