segunda-feira, 19 de outubro de 2009

resposta ao último desafio

Caros Colegas,

Na sequência do último desafio colocado no blogue, escrevo em seguida umas linhas sobre a “europeização” do Contencioso Administrativo.

Tal como o Professor Vasco Pereira da Silva refere no livro, e referiu nas aulas, o contencioso administrativo português como hoje o conhecemos (ou estamos a começar a conhecer) foi altamente influenciado pela evolução do Direito Administrativo a nível europeu. Com efeito, a criação de uma União Europeia com uma ordem jurídica própria, cujas normas prevalecem sobre as dos países membros (em Portugal, por força do artigo 8º CRP), e que tem como um dos objectivos principais criar politicas comuns, entre as quais politicas públicas (correspondentes a tarefas administrativas a serem prosseguidas por todos os Estados membros da UE), criou impacto no Direito Administrativo nacional. Assistimos, pois, a uma proliferação de fontes europeias em matéria de Direito Administrativo e, consequentemente, a uma proximidade substancial das legislações nacionais, causada pela interpretação e aplicação uniforme de princípios, noções e institutos. Por acção desta “europeização” foi criado aquilo que se pode chamar “Direito Administrativo Europeu”.
Tal como acontece com as regras substantivas de Direito Administrativo, também se tem observado uma crescente importância no que toca às regras processuais, quer a nível comunitário, quer a nível nacional, existindo também uma “europeização” neste domínio, que resulta igualmente numa proximidade dos sistemas processuais dos vários Estados Membros. No que toca à matéria processual - Direito do Processo Administrativo Europeu -, verificam-se as seguintes regras comuns:

- Afirmação do direito à tutela jurisdicional efectiva a nível europeu, pelo Tribunal de Justiça;
- Consagração de um princípio de plenitude de competência no que respeita aos juízes nacionais, permitindo-lhes gozar de poderes de plena jurisdição e até de criação de novos meios processuais, quando eles não existam ou sejam insuficientes para a apreciação da situação levada a juízo em que ocorra violação do Direito Comunitário, também através da jurisprudência do Tribunal de Justiça;
- No que respeita à matéria dos contratos públicos, o legislador europeu criou um regime jurídico de tutela cautelar, estabelecendo regras substantivas, procedimentais e processuais;
- Existência de um regime de responsabilidade civil extra-contratual dos poderes públicos (administrativo, legislativo e judicial), dando direito a indemnização aos particulares quando haja violação do Direito Comunitário por parte daqueles;
- O alargamento da impugnabilidade, resultante quer da extensão do conceito de acto administrativo às actuações de entidades privadas no exercício de função administrativa, quer da possibilidade de impugnação de actos de procedimento.

No caso especifico de Portugal observou-se, até 2004, uma reduzida influência europeia no processo administrativo, uma vez que se estava longe do modelo de plena jurisdição no que respeita aos meios processuais principais, girando tudo à volta do recurso de anulação, e havia uma transposição insuficiente das Directivas comunitárias relativamente à matéria de contencioso pré-contratual, o que contribuiu para uma tutela cautelar insuficiente, quase resumida à suspensão da eficácia dos actos administrativos, muito raramente aplicada. Com a reforma de 2004, concretizou-se de forma adequada o modelo europeu de justiça administrativa, cuja finalidade é providenciar uma protecção plena e efectiva dos direitos dos particulares, havendo alterações às criticas acima referidas, como se pode verificar através dos seguintes exemplos retirados do CPTA:

- O art. 2º/2 CPTA estabelece que a todo o direito ou interesse legalmente protegido corresponde a tutela adequada junto dos tribunais administrativos. De seguida, enumera a titulo meramente exemplificativo situações em que se pode manifestar a necessidade de recorrer aos tribunais administrativos. Estamos, por isso, perante uma norma que vem afastar possíveis limitações, a nível processual, que prejudiquem a tutela plena e efectiva dos direitos dos particulares.

- O art. 3º CPTA afirma, ao longo de todo o seu corpo, um conjunto de poderes mais fortes no que respeita à pronuncia dos tribunais sobre questões que lhes são trazidas a juízo, efectivando, mais uma vez, a tutela plena e eficaz dos direitos dos particulares face à Administração Pública.

- O art. 37º/2, f) CPTA vem afirmar a possibilidade de condenação da Administração ao pagamento de indemnizações através do instituto da responsabilidade civil extra-contratual, quando ocorram violações dos direitos dos particulares.

- Para garantir as possíveis condenações da Administração, é ainda estabelecido nos arts. 3º/2 e 169º CPTA, o poder dos tribunais fixarem prazos para o cumprimento dos deveres impostos à Administração e, no caso de incumprimento, a aplicação de sanções pecuniárias compulsórias.

- O art. 112º/1 CPTA vem também resolver uma das áreas problemáticas que se verificavam no contencioso administrativo português, antes da reforma de 2004, constituindo uma “cláusula aberta” no que respeita às providências cautelares, com vista a assegurar a utilidade da sentença que se pretende obter no processo.

Resumindo, pode-se observar uma influência da “europeização” no Contencioso Administrativo de todos os Estados Membros e, consequentemente, também em Portugal, embora apenas se tenha manifestado com a reforma operada em 2002/2004.

Saudações,

Maria da Assunção da Cunha reis

. BIBLIOGRAFIA:
- PEREIRA DA SILVA, VASCO, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise – Ensaio sobre as Acções no Novo Processo Administrativo, Coimbra, Novembro de 2005.
- Intervenção proferida pelo Professor Doutor Mário Aroso de Almeida relativamente à reforma do Contencioso Administrativo
(http://www.dgpj.mj.pt/sections/informacao-e-eventos/anexos/sections/informacao-e-eventos/anexos/prof-doutor-mario-aroso/downloadFile/file/PMA.pdf?nocache=1210675054.63)

. LEGISLAÇÃO:
- Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA).

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