terça-feira, 20 de outubro de 2009

O "Sistema Administrativo" Britânico

Caros Colegas e Exmos Professores,


Na sequência do desafio lançado pelo professor Vasco Pereira da Silva na semana passada, venho desta forma fazer uma breve análise do sistema administrativo britânico comparando com o sistema administrativo tipo francês, que como sabemos, influenciou, fortemente, o sistema que vigora em Portugal. Será um mero esboço, um tanto superficial, mas que julgo ser capaz de ilustrar os traços gerais do sistema Anglo-Saxónico e ilucidar-nos das grandes diferenças que existem entre estas duas correntes juridico-administrativas.

Até aos séculos XVII e XVIII vigorava na Europa o sistema tradicioal que se pautava pelas seguintes características: inexistência de separação de poderes e inexistência de um Estado de Direito. Resumidamente, a função administrativa e a função judicial misturavam-se e as poucas regras juridicas existentes revelavam-se puramente parciais e invariávelmente favoráveis à Administração Pública.

O sistema anglo-saxónico surgiu como um forte opositor a este modelo administrativo logo nos finas do século XVII, com a Grande Revolução em Inglaterra. Caracterizou-se, desde cedo, por uma verdadeira separação de poderes, onde o Rei, por culpa da abolição da Star Chamber (1641), se viu impossibilitado de resolver questões de natureza contenciosa, algo que em tempos anteriores era bastante frequente. Com a criação do Act of Settlement, em 1701, os juízes ganharam grande independência face ao Rei, que deixou de ter a discricionaridade de os poder demitir ou transferir. O Bill of Rights (1689) veio apadrinhar esta inovadora reforma estabelecendo os direitos, liberdade e garantias dos cidadãos britânicos e estipulando um verdadeiro reino do direito, rule of law. A Administração ficou sujeita ao controlo jurisdicional dos tribunais comuns, courts of law, algo impensável num sistema tipo Francês, que ainda nos dias de hoje se caracteriza por ter tribunais muito próprios, os tribunais administrativos, para que sejam resolvidos os litígios entre particulares e a Administração pública. Muito devido ao peso do rule of law a Administração Pública britãnica não possui, em regra, quaisquer privilégios. apanágio disso,é o facto de a Administração não poder executar as suas decisões através de meios coactivos. Se o particular se recusar a acatar as suas ordens, aquela terá de se dirigir ao tribunal comum,por forma a obter uma sentença que torne imperativa a sua decisão. Num modelo tipo francês o processo passa-se de forma diferente, tendo a Administração pública o chamado privilégio de execução prévia, que concede à administração a possibilidade de tomar decisões por autoridade própria.
De facto a história do Direito Administrativo em Inglaterra acaba por se confundir com a história do contencioso administrativo, visto que se analisarmos com atenção nunca ouve um verdadeiro contencioso administrativo no país de sua majstade. Esta curta análise do sistema britânico mostra-nos a naturalidade com que "nasceu" o contencioso administrativo em Iglaterra. Coloco a palavra NASCEU entre aspas propositadamente, visto que tal como referiu o conceituado constitucionalista britânico A. V. Dicey- " (...) The words administrative law, witch are its most natural rendering, are unknown to English judge (...)".

Recorrendo agora ao jogo metafórico habitualmente usado pelo Professor Vasco Pereira da Silva,julgo que podemos sintetizar a questão desta forma: as duas crianças tiveram nascimentos e infâncias muito distintas. Uma nasceu de cesariana o que lhe deixou sequelas profundas que se refelectiram, naturalmente, na sua infância que se revelou traumática, tendo sido, por isso, alvo de sucessivas sessões de psicanálise (reformas). A outra criança nasceu de parto normal, de uma forma bastante discreta e repleta de saúde. O dito nascimento foi de tal forma discreto que se esqueceram de a registarem no registo civil permanecendo até aos dias que correm inominada.

Apesar de tudo, em Portugal este nasciemento traumático, que tanto refere o professor Vasco Pereira da Silva, tem sido de certa forma corrigido através de várias reformas, como por exemplo a reforma do contencioso administrativo feita em 2004, tornando o nosso sistema com um cariz mais subjectivista, embora com nuances do modelo objectivista.

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