terça-feira, 20 de outubro de 2009

O Contencioso Administrativo no cenário europeu...



Venho, através deste trabalho, apontar algumas das questões levantadas pela europeização e novas balizas do Direito Administrativo, em resposta ao último desafio publicado no blogue.

Nos dias correntes, certificamos o fenómeno de crescente europeização do Direito Administrativo que tem origem em duas realidades a saber: crescente número de fontes jurídicas europeias relevantes em matéria de Direito e de Processo Administrativo (providências cautelares, matérias como a do serviço público, contratação pública, por exemplo) e uma intensificação da integração jurídica horizontal, resultante da adopção de políticas comuns, do efeito unificador da jurisprudência europeia, resultando na aproximação das legislações dos diferentes Estados-Membros.

Com as reformas do Contencioso Administrativo nos finais do século XX e inícios do século XXI, na maior parte dos países europeus, difundiu-se um Processo Administrativo que superou a antípoda dos modelos historicamente consagrados (modelo francês, germânico e anglo-saxónico) e cedeu lugar a um modelo comum europeu. Assistiu-se, então, ao corte umbilical da ligação necessária do Direito Administrativo ao Estado que caracterizava os primórdios desse ramo de direito. Na abordagem interna, a actividade administrativa já tinha deixado de ser meramente estadual, passando a ser desenvolvida por variadas entidades, de natureza pública e privada, na abordagem externa, por sua vez, assistia-se ao surgimento de uma dimensão internacional de realização da função administrativa ( na esfera das organizações internacionais). Contudo, é no âmbito do Direito Europeu que se realiza esta dimensão transfronteiriça do Direito Administrativo, já que só a nível da União Europeia é que se constatou a criação de uma verdadeira ordem jurídica, própria e comum, que é resultado da conjugação de fontes comunitárias com fontes nacionais e que vigora automaticamente na ordem jurídica dos Estados-Membros. Sendo assim, a União Europeia pode ser levada em conta como uma Comunidade de Direito Administrativo, uma vez que, os respectivos objectivos e tarefas são, em larga medida, de natureza administrativa, assim como também é a função concretizadora das políticas públicas europeias, como ainda são as " Administrações Europeias" que desempenham essa função, quer se trate de instituições comunitárias quer nacionais.

Tão marcante é a competência da referida europeização na criação de um Direito Administrativo ao nível europeu e de convergência dos sistemas administrativos dos vários Estados componentes que o Prof. Vasco Pereira da Silva se atreve mesmo a propor que passemos a entender também o Direito Administrativo como Direito Europeu concretizado. O que anseia em ser entendido no duplo sentido de dependência: "dependência administrativa do Direito Europeu", já que aquele só pode se concretizar através do exercício da função administrativa, ficando na dependência da actuação das administrações comunitárias e estaduais, e de " dependência europeia do Direito administrativo ", pois este passa de estadual a transfronteiriço, na lógica da convergência dos diferentes sistemas jurídicos nacionais e do pluralismo normativo que implica a conjunção e aplicação de fontes nacionais e comunitárias.

A europeização também influencia as modernas transformações da noção de acto administrativo ( a concepção da Administração agressiva do Estado Liberal -a noção autoritária de acto administrativo como expressão do poder estadual - cedeu lugar ao novo paradigma do acto favorável praticado no seio de uma Administração prestadora que o Estado-Social trouxe consigo). As transformações do conceito de acto administrativo são acentuadas pela europeização que veio contribuir para uma noção aberta desta forma de actuação, correspondente mais ao desempenho da função do que ao exercício do poder administrativo.

Verificamos os efeitos da europeização do Contencioso Administrativo, entre outros, nos seguintes aspectos:

- O Direito Europeu regula as actuações administrativas em razão da função que elas realizam e não correspondem ao exercício de qualquer poder, verifica-se um fenómeno de "dessubjectivação" do acto administrativo a nível europeu, perdendo assim, a dimensão estatuária do acto administrativo, uma vez que ele deixa de estar dependente da natureza pública ou privada da entidade que o praticou, ou do estatuto jurídico que ele possua;

- A multiplicação da criação de autoridades administrativas independentes, mas acompanhadas de um controlo eficaz e condizente à sua actuação, tendem a generalizar-se por toda a Europa em fontes comunitárias e nacionais (originárias dos sistemas anglo-saxónicos);

- As exigências da construção de uma União Económica e monetária deram origem à criação de um regime comum da contratação pública, fundamentado na noção una de contrato público, estabelecendo um regime comum para determinados contratos correspondentes ao exercício da função administrativa, por se julgar que eles dizem respeito ao exercício da função administrativa, independentemente das qualificação jurídica específicas atribuídas pelos Estados.

Em termos conclusivos, podemos dizer que o Direito Administrativo, na roupagem actual, estabelece uma relação simbiótica com o Direito Europeu, transbordando as fronteiras do Estado e que para nós estudantes desta cadeira é de interesse as consequências daí advindas, uma crescente conjugação e aplicação de fontes comunitárias e nacionais, da mesma forma que leva a uma convergência dos distintos sistemas jurídicos nacionais.

Saudações,

Natália Viana



Bibliografia:
- Cadernos de Justiça Administrativa – nº 58, Julho/Agosto de 2006
- PEREIRA DA SILVA, VASCO, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise – Ensaio sobre as Acções no Novo Processo Administrativo, Coimbra, Novembro de 2005

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