sábado, 17 de outubro de 2009

Não à União do Processo Administrativo com o Processo Civil - Um brevíssimo ensaio

Caros colegas,


É com todo o gosto que aceitamos o desafio proposto pelo nosso colega Filipe Simões em que reflectiremos sobre uma eventual união entre a lei do Processo Civil e a lei do Processo Administrativo.

Primeiramente, é relevante mencionar que o próprio artigo 1º do CPTA admite a possibilidade de o processo nos tribunais administrativos reger-se, ainda que a título supletivo, pela lei processual civil.

Outra importante referência do CPTA à lei processual civil é o artigo 35º que pretende aplicar o processo declarativo, nas suas formas ordinária, sumária e sumaríssima (artigo 461º do CPC), aos casos expressamente previstos no título II do CPTA. E, mais uma vez, prevê-se a aplicação subsidiária da lei processual civil aos casos previstos nos títulos III e IV deste Código. De facto, esta norma do CPTA sustenta fortemente a tese favorável à união da lei do Processo Administrativo à lei do Processo Civil.

Um outro argumento poderá ser, tal como o nosso colega sublinhou, o facto de se poderem encontrar inúmeras disposições no CPTA que evidenciam a íntima conexão entre ambos os processos (artigos 78º e seguintes; artigo 43º).

No entanto, é necessário ter em consideração que o Contencioso Administrativo é uma disciplina autónoma, que contém regras e valores próprios, “composto por diversas jurisdições que gozam de igual dignidade”.

Ainda que a Justiça Administrativa aplique normas processuais civis, o seu fundamento é diverso, sendo o artigo 268º, nº 4 uma pedra angular do modelo constitucional deste poder judicial, na medida em que consagra o princípio da tutela judicial efectiva dos cidadãos perante a Administração.

É de salientar que o próprio princípio da prossecução do interesse público está sempre subjacente a toda a actividade administrativa, como a estrela polar que nos guia e que nos ilumina. Nos termos e para os efeitos do nº 1 do artigo 266º, “a Administração Pública visa a prossecução do interesse público no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos”. Citando GARCÍA DE ENTERRÍA, “ o direito administrativo é feito de um equilíbrio entre privilégios e garantias. Em última instância, os problemas jurídico-administrativos traduzem-se em procurar esse equilíbrio, assegurando-o quando ele é encontrado e reconstruindo-o quando se perdeu”. Subscrevendo a opinião do Professor SÉRVULO CORREIA, “o direito privado, como direito comum à generalidade das pessoas, rege a gestão privada, ao passo que a gestão pública constitui o objecto de um direito original, cuja especificidade decorre da razão de ser das entidades”. Com vista a ilustrar a relevância do interesse público, é de mencionar que no caso da expropriação sacrificam-se interesses particulares (ainda que sempre com base legal e mediante o pagamento de uma justa indemnização), prevalecendo o princípio do interesse público.

Gostaríamos, também, de rebater o argumento cuja base se encontra no artigo 35º do CPTA, visto que as matérias de processo administrativo especial revestem-se de maior importância, dada a sua frequência actual.

Além disso, não deixa de ser importante dizer-se que a especialização dos tribunais administrativos contribui para a melhor resolução de litígios nesta área, uma vez que os juízes do Tribunal Administrativo e Fiscal beneficiam de um conhecimento mais aprofundado nestas matérias. Ainda a respeito da especialização dos tribunais administrativos e fiscais, soubemos esta semana, na aula teórica do Prof. Vasco Pereira da Silva, que o CEJ abrirá concurso em Dezembro, pela primeira vez, para o curso de formação inicial de magistrados judiciais para os tribunais administrativos e fiscais. Tal vem reforçar a “separação das águas”.

Apesar das tradicionais fronteiras entre o Contencioso Administrativo e o Processo Civil terem sofrido esbatimentos, assistindo-se a uma “fuga para o direito privado”, cremos que a razão para a separação entre ambos reside no fundamento que subjaz a cada um. Como tal, fará sentido, a continuidade da existência de fronteiras entre ambos, a fim de evitar uma “promiscuidade” entre o Processo Administrativo e o Processo Civil. A nosso ver, a tese favorável à união do Processo Administrativo e do Processo Civil não merece, pois, aceitação.



Aguardamos qualquer comentário.



Saudações académicas,
O TRIO “As Traumatizadas no Contencioso Administrativo”
(Ana Sardinha Tavares Festas, Ana Festas Henriques, Maria Francisca Vicente)



BIBLIOGRAFIA:

- PEREIRA DA SILVA, VASCO, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise – Ensaio sobre as Acções no Novo Processo Administrativo, Coimbra, Novembro de 2005
- ESTORNINHO, MARIA JOÃO, A Fuga para o Direito Privado – Contributo para o estudo da actividade de direito privado da Administração Pública, Coimbra, Agosto de 1999

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