quarta-feira, 21 de outubro de 2009

O Sistema Administrativo brasileiro


Diante do desafio lançado pelo Professor Vasco Pereira da Silva, o presente trabalho tem por
finalidade realizar uma breve contraposição entre o processo administrativo brasileiro e o
contencioso administrativo português, o que nos permite dentro deste contexto, estudar a
distinção entre os dois possíveis sistemas em vigor dentro do Direito Administrativo: o sistema
do contencioso administrativo e o sistema judiciário ou de jurisdição una. Ainda indicaremos
algumas similitudes e diferenças existentes entre os sistemas e os desafios porque passam nos
dias correntes.
Face ao sucesso e desenvolvimento jurisprudencial francês, Portugal, como a maioria dos países
europeus, adoptou, quase que na integra, o sistema de jurisdição administrativa francês, onde
há uma dualidade de jurisdições; a comum, exercida pelos Tribunais Judiciários e a
administrativa, exercida pelos Tribunais Administrativos. Nos seus primórdios, o intuito era o de conceber um órgão
jurisdicional que permitisse uma maior protecção da Administração.Porém, as reformas constitucionais retiraram do contencioso administrativo português qualquer traço
que possa indicar a existência de um processo objectivo. Em 1997, com a revisão constitucional,
Portugal fez a passagem do modelo processual administrativo a objectivo e a nova roupagem
do art. 268º nº 4 e 5 consagrou a tutela efectiva dos direitos dos particulares. O foco da revisão
constitucional passa a ser o jurisdicionado e não mais a Administração, a ela e seus agentes
incumbe o ónus de responder solidariamente por quaisquer actos omissivos ou comissivos que
causem dano aos cidadãos. Surge a ideia de um direito fundamental ao contencioso
administrativo.
O Tribunal Central Administrativo foi criado para desafogar o Supremo Tribunal Administrativo e
para actuar como instância de recurso dos tribunais de círculo e também como instância
primária. Por se tratar de um país em que o desenvolvimento do contencioso administrativo se
deu juntamente com a evolução constitucional do Estado Democrático de Direito, Portugal
possui um sistema mais subjectivista e que torna a esfera administrativa numa forma de
especialização e não numa forma inovadora de resolução de litígios, o contencioso
administrativo português é assim, um sistema que mescla influências principalmente do sistema
do contencioso administrativo francês, mas também contempla influências do sistema de
jurisdição una.
Com a aprovação do Código do Procedimento Administrativo, a ideia de codificação do
processo administrativo acaba por limitar a actividade jurisprudencial que, durante quase dois
séculos permitiu a grande evolução do Direito Administrativo na França e assim, o sistema
português, de certa forma, revela as suas próprias características .
Em Portugal, o particular que for lesado pela Administração Pública conta com a possibilidade
de recorrer aos Tribunais Administrativos, conforme o disposto no art. 2º do CPTA é lhes
garantido uma tutela jurisdicional efectiva junto a estes tribunais para fazer valer seu direito face
a Administração.
O Brasil, por sua vez, adoptou um sistema de jurisdição única, próximo do modelo inglês, mas
não utiliza os conceitos desse modelo de forma plena, inovou ao conciliar a existência das
decisões dos órgãos administrativos apesar de não terem relevo como as do Poder Judiciário, o
que implica dizer que os órgãos administrativos não promovem coisa julgada, não emitem
decisões conclusivas, permanecendo subordinados ao Tribunal Judiciário, onde todos os litígios,
sejam administrativos ou não, são encaminhados a este tribunal.
O sistema de jurisdição única vem sendo adoptado no Brasil desde a Carta Republicana de
1891. A Emenda Constitucional nº7, de Abril de 1977, veio estabelecer a possibilidade de criação
de dois contenciosos administrativos, mas estes não se concretizaram e a Carta Magna de 1988
afastou completamente essa possibilidade da instituição do contencioso administrativo naquele
país e seguiu a sua tradição de adopção do sistema da jurisdição única.
A Carta Magna de 1988, consagrada como primeira experiência democrática após vinte e um
anos de regime autoritário da ditadura militar, optou pela definição mais ampla possível de
Estado Democrático de Direito e pela inclusão de um vasto elenco de direitos dentre o rol de
direitos fundamentais da pessoa humana. Dentre eles, encontra-se o princípio da
inafastabilidade que constitui consequência directa do devido processo legal previsto no art.
5º,LIV, da CRF.A Constituição da República Federativa do Brasil (CRF) no seu art. 5º, XVVV, é
categórico ao impedir que qualquer litígio deixe de ser analisado pelo Judiciário e consagra,
assim, o princípio da inafastabilidade do poder Judiciário.
A experiência daquele país é a de que todos os litígios, independentemente de quem figure
nele como parte, será solucionado perante o Poder Judiciário, é ele quem tem o monopólio da
função jurisdicional, somente a ele cabendo decidir com carácter de definitividade as
controvérsias relativas à aplicação do direito. Assim, as causas em que a Administração estiver
directamente envolvida serão litigadas pelas instâncias originárias do Poder Judiciário. Contudo,
não quer isto significar que esteja negado à Administração o direito de decidir, o que lhe está
negado é a possibilidade de exercer funções judiciais e de emprestar às suas decisões força e
definitividade próprias dos julgamentos judiciários e deve-se ressaltar que independentemente
de a tradição constitucional se consolidar no sistema de jurisdição única, o ordenamento
jurídico nacional prevê instrumentos e meios processuais que podem ser utilizados perante a
autoridade administrativa. Porém, esses processos não fazem coisa julgada material (salvo na
esfera administrativa) sendo sempre passíveis de revisão pelo Poder Judiciário.
Todavia, não pode-se dizer que foi desprezado o prestígio do processo administrativo dentro
do ordenamento jurídico nacional, a preocupação com o processo administrativo é revelado
através da Lei nº 9784/99, conhecida como a lei do processo administrativo, apesar da sua
aparente ausência de efectividade. Essa veio estabelecer normas procedimentais para toda a
Administração Pública Federal e, consequentemente, influência nas legislações estaduais e
distrital.
No Brasil, em similitude com o sucedido em Portugal, o processo administrativo ganhou uma
espécie de código de processo administrativo que pretende sistematizar a forma de actuação
dos agentes públicos perante os administrados em sede de procedimentos administrativos. Não
obstante, trata-se de instância prévia à judicial, essa que, pelo princípio da inafastabilidade, não
pode deixar de julgar causas por mais que tenham sido discutidas perante as instâncias
administrativas. As decisões administrativas não são executórias e coercivas, o sistema de
controlo dos actos da Administração inserido no âmbito do Poder Executivo não possui a
faculdade de encerrar definitivamente o litígio, não fazem coisa julgada. Portanto, não podemos
falar aqui em jurisdição administrativa.
O sistema de Jurisdição única, assim como o de contencioso administrativo (jurisdição dual),
adopta na sua arquitectura a hierarquização dos tribunais de maneira que seja possível a
revisão, através de recursos, de decisões passíveis de reforma. Somente quando as causas ou
decisões administrativas forem deliberadas pelo Poder Judiciário é que essas se encontrarão
revestidas pela coisa julgada.
No Brasil, o particular que for lesado pela Administração Pública conta com três possibilidades
para salvaguardar seus direitos, são elas: a) recorrer à Administração Pública e aguardar a sua
decisão última, ciente de que, posteriormente, pode valer-se do Poder Judiciário; b) ignorar as
instâncias administrativas e, de imediato, valer-se das instâncias judiciais; ou c) recorrer à
Administração Pública e, antes de sua decisão última, abandonar o procedimento administrativo
para buscar amparo no detentor único da jurisdição. Essa é a ideia que podemos retirar do art.
5°, inciso XXXV da CRF que vem estabelecer: "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário
lesão ou ameaça de direito".
Como pontos comuns nas falhas existentes das duas ordens jurídicas podemos apontar:
- A dificuldade em prestigiar o vencedor da acção, fruto principalmente do excesso de
incidentes processuais, tanto que no Brasil, o Código de Processo Civil tem sofridos alterações
em busca de uma maior efectividade ao processo de execução das decisões judiciais;
- Os sistemas sofrem com o acúmulo de processos perante as instâncias superiores, o que
dificulta a sensação de satisfação com a prestação jurisdicional;
- Morosidade na concretização da tutela, seja pelo carácter apenas sugestivo da maioria das
decisões referentes ao recurso por excesso de poder, seja pela demora na satisfação do crédito
concedido por título judicial, surgindo como estigma dos dois sistemas;
- Em ambos os países, verificamos uma subjectivação dos fins do processo, uma busca pela
satisfação da tutela individualmente requerida e a redução de formalidades ou de
procedimentos impeditivos da satisfação da tutela jurisdicional, para a realização de um
processo em busca da satisfação do administrado.
Assim, os problemas também se aproximam quando se amplia o conceito de subjectivização do
processo
Para concluir,podemos dizer que hoje em dia a questão já não é mais
a consolidação de um ou outro sistema, passa-se a uma análise subjectiva da situação fáctica
apresentada, o que se pretende é a satisfação do direito do jurisdicionado, seja face a
Administração, seja face a Jurisdição Una. Apesar das diferenças existentes entre os dois
sistemas, o que ambos pretendem é consolidar a ideia de Estado Democrático de Direito e,
desta forma, tendem a aproximar-se. Apesar da dicotomia de sistemas, percebe-se que o
objectivo é comum, a satisfação do jurisdicionado.



Textos Legislativos:

Constituição da República Federativa do Brasil
Lei nº 9784/99, de 29 de Janeiro - Lei que Regula o Processo Administrativo no âmbito da
Administração Pública Federal
Constituição da República Portuguesa
Código de Processo nos Tribunais Administrativos

Bibliografia:

MEIRELLES, Helly Lopes. " Direito Administrativo Brasileiro ". 30 ed. São Paulo: Malheiros. 2005
MOREIRA NETO, Diogo Figueiredo. " Contencioso Administrativo " . Rio de Janeiro : Forense.
1977
PEREIRA DA SILVA, VASCO, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise – Ensaio sobre
as Acções no Novo Processo Administrativo, Coimbra, Novembro de 2005

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