sábado, 21 de novembro de 2009

Este sistema administrativo dava um filme indiano...





... uma brevíssima abordagem ao sistema de justiça administrativa da União da India.








Quando nos foi proposta esta tarefa, cedo surgiu a vontade de dar uma abordagem alternativa ao tema. Na altura, conhecemos o Paramjeet, estudante indiano de Direito, a fazer o seu mestrado internacional na nossa faculdade. Queríamos fugir à tradicional exposição teórica sobre um qualquer sistema jurídico e pensámos num diálogo/entrevista com vista à exposição do trabalho.


No entanto, as coisas não foram tão fáceis como pareciam; o nosso "entrevistado" não conseguiu dar-nos mais que um panorama geral do sistema administrativo no seu país. O resultado desta entrevista, do qual não vos queremos privar, é abaixo apresentado a título de curiosidade.




Durante a entrevista ficou claro que estamos perante um sistema radicalmente diferente do sistema nosso conhecido.


Na verdade, a entrevista funcionou como merao "trampolim" para o nosso objecto de trabalho - a análise da figura dos Administrative Tribunals que de seguida vos tentaremos dar a conhecer.


Sob pena de este não ser o modelo clássico de exposição, esperemos que vos agrade!








O sistema indiano visto por um nativo


OU


Os catorze pontos de Paramjeet






  1. A constituição Indiana é vista como uma guide-line




  2. Subdivide-se em 2 secções principais - de destacar na 1ª secção, os direito individuais.




  3. Ver ainda artigos: 14º - direito à igualdade; 19º - que contém os 7 golden rights; 21º - direito à vida. No que toca ao artigo 21º já foram decididos inúmeros casos; este é, na verdade, um artigo invocado frequentemente contra a administração por ter um ãmbito alargado.




  4. Não há no direito indiano uma "Bill of rights"




  5. Trata-se de um sistema judicial apoiado em case studies




  6. Alusão a um episódio em particular da História indiana: no tempo da Primeira-ministra Indira Ghandi, um período tido como a "fase negra da India", é aprovada uma lei que suspende alguns dos artigos mais importantes da Constituição (18º, 19º, 21º), e surge a questão: como se pode fazer uso de todos os outros direitos garantidos constitucionalmente se não se puder fazer valer o direito à vida, ou de forma mais sucinta, pode este tipo de direitos fundamentais ser suspenso?




  7. Neste sistema de Case Law, são os próprios tribunais que criam leis igualmente vinculativas para o Governo - quando comparado com as leis que emanam do Parlamento




  8. Em 1976 foi criado o "judicial activism", um instituto que permite recurso directo para o Supremo Tribunal num caso pendente que diga respeito a direitos fundamentais




  9. Na verdade, o conceito de direitos fundamentais é tão abrangente que permiite este recurso na grande maioria das decisões. Os artigos que tutelas estas situações são 32º, 226º e 137º. No entanto, também aqui reina o princípio da exaustão dos meios comuns para aceder ao Supremo Tribunal.




  10. Os Administrative Tribunals foram estabelecidos para facilitar, aliviar o trabalho jurisdicional dos tribunais comuns e do próprio sistema judicial. Estes tribunais não analisam direito individuais, não têm autoridade absoluta. São, nas palavras de Param, "small river leading to a big sea - the common system"




  11. Quanto ao sistema de tribunais comuns temos: o Supreme Federal Court; o High Court; e o District Court.




  12. No que respeita ao funcionamento do Supreme Court, este age como um tribunal de recurso e como tribunal de 1ª instância. Quanto ao recurso, há 2 vias: do District Court para o High Court - aqui é necessário um "certificado", uma declaração de que o caso carece de recuso, isto estando em causas menores; já se estamos perante questões substanciais de direito ou interpretação correcta dos factos, temos recurso para o High Court




  13. Uma curiosidade: pode-se interpor acções em qualquer tribunal, já que este transfere o caso para o tribunal competente




  14. Os Administrative Tribunals tratam também de questões não judicial, estão ainda na dependência do governo, não actuando directamente no interesse dos particulares. Na visão de Param, os estes órgãos não são considerados independentes.




Aproximação ao Sistema Judicial Indiano



O Império Britânico na Índia trouxe consigo a introdução e desenvolvimento do sistema de Common Law, no qual o sistema judicial deste país se baseia. De facto a substância do sistema vigente mantém-se quase inalterada desde o século XIX, aquando do domínio britânico - com excepção do Supremo Tribunal, cuja criação data de 1937.



Distinção entre Court e Tribunal



Os Courts correspondem, na verdade, à nossa figura dos tribunais. Na India encontramos:







  • O Supreme Court (funciona como tribunal de recurso, interpreta a constituição e a sua jurisprudência vincula todos os outros tribunais)




  • Os High Courts (actuam sobretudo no âmbito das garantias constitucionais e garantia de direitos fundamentais; são tribunais de 1ª instância e de recurso, a sua jurisdição reporta-se a todos os tribunais do seu ãmbito territorial e asseguram a independência da função administrativa)




  • E os Subordinated Courts (encontram-se no último degrau da hierarquia, estando sujeitos a limitações quanto ao território, ao valor da acção e à sentença)


Os Tribunals, ou órgãos de jurisdição administrativa, são estabelecidos para tratarem de funções jurisdicionais específicas em certas áreas delimitadas. Os CAT (Central Administrative Tribunals) são um exemplo disso em matéria de serviços, mas existem também tribunals em áreas como disputas de seguros e mercados; disputas inter-estados quanto a águas, ou em matéria de recuperação de dívidas. Os tribunals têm ainda poderes para decidirem sobre as suas próprias regras de resolução de conflitos, estando apenas sujeitos à legislação donde retiram a sua autoridade.





Análise da figura dos Administrative Tribunals



Surgimento



Os Central Administrative Tribunals (CAT) foram criados como resultado da emenda à Constituição da Índia efectuada em 1976 (42nd Amendment Act). Esta introduziu o artigo 323-A, que deu poderes ao Parlamento para legislar sobre a adjudicação aos tribunals disputas e queixas respeitantes ao recrutammento e condições de serviço das pessoas empregadas em serviços públicos e postos relacionados com os assuntos da União da Índia ou os seus Estados. Deste modo, seriam retirados aos tribunais civis a resolução de disputas relacionadas com a matéria dos serviços públicos.



Antes deste artigo já existiam tribunals em várias áreas, que eram reconhecidos pela Constituição; porém, não tinham matérias exclusivas, estando sempre sujeitos a recurso jurisdicional para os High Courts pelos artigos 226º e 227º da Constituição.



Segundo um crítico indiano, Dr. Rajeev Dhavan, esta emenda à constituição foi positiva para a construção de um novo sistema judiciário, na medida em que "previu uma estrutura de tribunal e limitou os poderes de revista do High Court". Disse ainda que "no longo prazo, isto poderia constituir o advento de um sistema de tribunais racionalizado sob a superientendência do Supremo Tribunal" que "seria simultaneamente uma adaptação indiana e da common law em geral do sistema francês de direito adminsitrativo".



Jurisdição e competências



Os CAT têm jurisdição apenas em relação à questões de serviço das pessoas em litígio constidas no seu Acto de criação - o Administrative Tribunals Act, 1985 - sendo o tribunal de 1ª instância nestas matérias. Uma característica deste acto é a simplicidade processual, podendo a pessoa lesada aparecer pessoalmente no processo - sem patrocínio judiciário; quanto ao governo, este pode apresentar o seu caso através de funcionários dos seus departamentos ou por funcionários legais.



Dito isto, há porém muitos funcionários públicos não abrangidos na jurisdição destes tribunals. Estes não têm competência para julgar membros das forças armadas, oficiais e funcionários dos Supreme e High Courts, os funcionários legislativos centrais e dos vários Estados, nem os restantes abrangidos pelo Industrial Disputes Act de 1947.



Ao nível territorial, estes tribunals dividem-se em Central Administrative Tribunals, State Administrative Tribunals e Joint Administrative Tribunals. A sua harmonização de competências é feita como se segue:



CAT



- questões de recrutamento de todos os serviços indianos, nomeadamente defesa nacional



- assuntos da união ("affairs of the union")



- a autoridade quanto a questões de serviço e recrutamento respeitantes ao governo e autoridade locais



STATE ADMINISTRATIVE TRIBUNALS



- questões de serviço e recrutamento do Estado ou de qualquer posto civil sujeito a autoridade estatal



-poderes ao nível das autoridades locais



-a sua jurisdição engloba todas as questões excepto as que são da jurisdição dos CAT



JOINT ADMINISTRATIVE TRIBUNALS



-para 2 ou mais Estados



-questões de poderes de punição ("power to punish for contemp")



-poderes equivalentes ao High Court no que respeita à matéria do "contempt of court"





Artigos importantes do Administrative Tribunals Act


Section 14(1) which vests in the Tribunal the jurisdiction of all courts in respect of service matters, says:


Save as otherwise expressly provided in this Act, the Central Admnistrative Tribunal shall exercise, on and from the appointed day, all the jurisdiction, powers and authority exercisable immediately before that day by all courts (except the Supreme Court) in relation to ... service matters.


Section 28(1) which excluded jurisdiction of the courts says:


"On and from the date from which any jurisdiction, powers and athority becomes exercisable under this Act by a Tribunal in relation to service matters concerning members of any service or post, no Court except (a) the Supreme Court, or (b) any Industrial tribunal ... shall have or be entitled to exercise any jurisdiction, powers or authority in relation to such ... service matters"


Organização


Hoje os CAT estão divididos em 17 magistraturas regulares (regular benches), 15 das quais operam nos principais assentos dos High Courts e as restantes duas em Jaipur e Lucknow.


São constituído por um Presidente, um vice-presidente e os membros - os quais provêm tanto do meio judicial como administrativo, de forma a dotar o tribunal de especialização suficiente em ambos os meios. Além disso, o Presidente tem d ser um juiz reformado do High Court, ou um Secretário do Governo da União ou ainda alguém com posição equivalente no Estado há pelo menos 2 anos.


Metas


Tudo isto foi feito com o objectivo de atenuar a pressão sobre os High Courts, e também para que os juízes e membros especialistas em matéria de serviços públicos desenvolvessem nova jurisprudência no assunto.


Estes tribunals têm como meta tratar de forma rápida e pouco dispendiosa os casos em litígio. Deste modo, o Administrative Tribunals Act abriu um novo capítulo na justiça admnistrativa para os funcionários públicos lesados e na reforma da justiça admnistrativa em geral, num sentido democratizante.


Aquando da sua criação, a expectativa era, pois, de que os CAT decidissem de acordo com os objectivos e o espírito da sua criação; porém, tem sido sentido que as disputas entre a administração e os funcionários envolvem muitas vezes questões políticas - sendo que as autoridades, por várias vezes são mais favoráveis ao governo e desta forma o objectivo democratizante é falhado.



Aquilo da Salada Russa


Estamos sem dúvida perante um sistema administrativo particularíssimo, que em parte repousa na figura dos Administrative Tribunals, órgãos que nos aparecem como "tribunais de segunda" - quasi judicial bodies. Destaque aqui quer para o seu elevado grau de especialização - que se acaba por traduzir numa limitação do seu âmbito a meras questões de serviços - quer para a sua falta de parcialidade face ao poder político.


Assim, podemos aperceber-nos que estamos perante um sistema que, apesar das suas raízes britânicas, sofre do "trauma continental" situando-se ainda numa fase de alguma premíscuidade e deficiente concretização do princípio da separação dos poderes.



Mas porque é que este sistema administrativo dava um filme indiano? Fiéis aos criadores desta "private joke", bastamo-nos com uma explicação muito banal: a sua primeira refeição foi um caril indiano - o que não é de admirar já que nasceu na Índia. Se, a mero título de exemplo, o Sr. Sistema Administrativo tivesse jantado uma salada russa tratar-se-ía, sem sombra de dúvida, de um filme.... chinês!



POR FIM, gostaríamos de vos propor o seguinte desafio de comparação com o nosso sistema: perante estes dados, e considerando que já completaou 24 anos de idade, onde pensam que se encontra o nosso Sr. Sistema Administrativo Indiano? Ainda preso numa infância traumática "importada" da França? Ou antes num fenómeno próximo da "delinquência juvenil" que se verificou no seu antepassado Sr. Sistema Administrativo Britânico?



BIBLIOGRAFIA


- Pereira da Silva, Vasco; O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise - ensaio sobre as Acções no Novo Processo Administrativo - Almedina, 2009


-http://www.cat.gov.com/


-http://www.nyulawglobal.org/globalex/India_Legal_research.html - GlobaLex - a guide to India's legal Research and legal System by Dr. Rakesh Kumar Srivastava


-http://india.gov.in/knowindia/adm_tribunals.php


-http://lawcommissionofindia.nic.in/101-169/Report162.pdf


-http://www.supremecourtofindia.nic.in/speeches/speeches_2009/All_India_CAT_conference_1-11-09.pdf



LEGISLAÇÃO


- Central Administrative Tribunals Act, 1985


- Constituição Indiana


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