domingo, 15 de novembro de 2009

Curvas e Contra-Curvas do Regime da Responsabilidade Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas


I. Introdução: Relevância da questão da Responsabilidade Extracontratual
A responsabilidade extracontratual do Estado e demais entidades públicas é um tema de extrema actualidade que considerámos bastante interessante para ser alvo de discussão no nosso blogue. De facto, trata-se de uma questão que tem atravessado um longo caminho de “curvas e conta-curvas” que se torna preemente avaliar.
Até à primeira metade do século XIX defendia-se a tese da irresponsabilidade do Estado face aos danos causados aos particulares e da responsabilidade exclusiva do agente que provocava esses danos.
O movimento constitucionalista do final do século XIX iniciou uma fase de transição, afirmando-se os princípios da legalidade e da separação de poderes que colocavam o Estado em igualdade de condições face aos cidadãos, uma vez que também passava a estar subordinado à lei e ao controlo por um órgão independente. A tese subjectivista da responsabilidade adequava-se à simplicidade das relações sociais nos primeiros tempos do liberalismo, mas passou a não corresponder à ordem instaurada a partir da revolução industrial. A complexidade do novo ambiente tornou necessária a ampliação do conceito de culpa. Afirmam-se como marcos no caminho da adopção da responsabilidade objectiva do Estado o nosso conhecido Caso Blanco (1873) e o Caso Anguet (1911).
Apenas no Estado social as legislações europeias[1] passam a consagrar a responsabilidade administrativa. Quanto ao direito comparado, atenderemos ao regime espanhol em que a responsabilidade extracontratual do Estado ganhou relevância anterior à registada no ordenamento jurídico português.
Em Portugal a responsabilidade extracontratual conheceu maiores dificuldades de afirmação, facto que importa avaliar com detalhe. Porém, actualmente reconhece-se que a concepção de Estado de Direito tem como pilar essencial a responsabilidade civil estadual, estando em causa a concretização de um verdadeiro direito fundamental à indemnização. É neste sentido que a actual Lei 67/2007, de 31 de Dezembro pretende regular a matéria em causa, embora seja possível apontar algumas críticas que analisaremos na conclusão do trabalho.
No século XX e início do século XXI tem-se verificado uma revalorização da acção de responsabilidade civil pública dos países europeus com uma influência indiscutível do direito europeu. Torna-se, portanto, essencial fazer uma breve nota à lógica subjacente ao movimento de “europeaização”[2] em que vivemos.


II. A Responsabilidade Extracontratual no Direito Comparado: Caso Espanhol

A responsabilidade administrativa extracontratual espanhola consagrou-se em Espanha na Cosntituição de 1931, instaurado num momento histórico anterior ao português.
O princípio geral constitucional da responsabilidade patrimonial tem um alcance geral, uma vez que a cláusula compreende todo o tipo de actuações extracontratuais da Administração, sejam elas normativas, jurídicas ou materiais, ou simples inactividades ou omissões.
A reponsabilidade espanhola tem um carácter directo, unitário e objectivo. Em primeiro lugar, o carácter directo traduz-se no facto de os particulares terem direito a ser ressarcidos directamente pela Administração sem necessidade de reclamar ou de identificar previamente a autoridade, funcionário, agente ou empregado público cuja conduta culpável tenha causado o dano. Renconhece-se assim, o direito à integridade patrimonial frente a actuações ou omissões administrativas. Para além disso, a responsabilidade é objectiva, ou seja, independente da ideia de culpa em relação ao dano. A ilicitude do facto danoso administrativo deriva do seu efeito negativo injustificado pelo património do particular, e não da valoração reprovável da sua conduta. A culpa do agente pode gerar a sua própria responsabilidade patrimonial, embora o dever de indemnizar da Administração não dependa da conduta culpável dos seus agentes, mas só do funcionamente culpável dos serviços públicos. Por último, este regime faz parte de um sistema unitário de Direito Administrativo, na medida em que se aplica a todas as administrações públicas, sem excepção e que protege em igualdade todos os sujeitos privados, garantindo um tratamento patrimonial comum entre eles.
A obrigação de indemnizar não se limita aos factos ilícitos, incluindo também o risco, na medida em que quem exerce uma actividade de risco deve comportar as consequências dela resultantes. Compreende-se, ainda, as actuações administrativas que embora lícitas gerem danos ou prejuízos. Entende-se que se origina automaticamente na Admnistração a obrigação do seu directo e principal ressarcimento, sem que seja preciso actuar de forma ilícita. O que não é necessário é que ocorra um comportamento voluntário doloso ou culposo da pessoa ou pessoas que produziram o dano ou o prejuízo. Este ressarcimento dos danos e prejuízos é sempre consequência negativa do acto administrativo, não sendo obrigado por imperativo legal ou outro vínculo jurídico.
Para além da responsabilidade administrativa o ordenamento espanhol consagra também a responsabilidade do Estado-Juizl, correspondente aos danos causados a bens ou direitos do particular por erro judicial e aqueles que sejam consequência do funcionamento anormal dos servisços públicos. No entanto, a mera revogação ou anulação das resoluções judiciais não pressupõe por si só direito à indemnização e não há lugar a indemnização nos casos de força maior. Uma situação peculiar em que há lugar a indemnização ocorre quando o arguido se encontra em prisão preventiva e venha posteriormente a ser absolvido por não se comprovarem os factos alegados. Este é o caso concreto que em Espanha implica com maior frequência a responsabilidade extracontratual por erro judicial.
Prevê-se por fim no ordenamento espanhol, a responsabilidade do Estado-legislador, que não tem ainda uma regulação própria, embora o Supremo Tribunal de Justiça tenha elaborado a tese acerca da responsabilidade por actos legislativos, aplicando-se o regime da responsabilidade administrativa. A sentença do tribunal de 13 de Junho de 2000 estabeleceu que, por definição, o Estado deve reparar os danos e prejuízos concretos e singulares gerados pela aplicação de uma lei contrária à Constituição ou a princípios fundamentais do Estado de Direito.
Com a análise do regime comparado, chegámos à conclusão que a responsabilidade extracontratual do Estado em Espanha tem uma grande aplicação prática. De facto, os tribunais administrativos atribuem indemnizações aos paticulares por danos gerados pelo Estado, abrangendo um vasto leque de actuações, quer sejam lícitas, ilícitas, pelo simples risco de lesão de direitos ou bens dos particulares ou até pela privação injusta da liberdade. Em Portugal, vamos ver que o regime que se instaurou de responsabilidade extracontratual do Estado, tem a mesma base que o regime espanhol, embora talvez por ser mais recente não tenha tanta aplicação prática.


III. Evolução histórica do regime da responsabilidade extracontratual em Portugal

Regime legal até meados dos anos 60

Em Portugal, tal como se verificou na evolução global dos diversos ordenamentos jurídicos, a responsabilidade civil estadual nem sempre esteve prevista.
Inicialmente, pelo contrário, o artigo 2399º do Código de Seabra consagrava a irresponsabilidade do Estado pelos prejuízos causados no exercício da actividade de execução da lei, sendo que o artigo seguinte responsabilizava meramente os funcionários administrativos, pessoalmente, por danos resultantes de actividades ilegais, não havendo garantia administrativa.
Em 1930 procedeu-se à revisão do Código de Seabra e, mediante um aditamento ao artigo 2399º, passou a prever-se a responsabilidade do Estado e das autarquias, solidariamente com os seus funcionários, por actos ilegais por si praticados dentro das respectivas competências.
No artigo 8º, nº 17 da Constituição de 1930 garantiu-se aos cidadãos o “direito de reparação de toda a lesão efectiva”, mas esta garantia esvaziava-se de conteúdo ao remeter para a lei ordinária: “conforme disposer a lei”.
Com o Código Administrativo (1936-1940) estabeleceu-se nos artigos 366º e 367º a responsabilidade das pessoas colectivas públicas de população e território por actos de gestão pública. Trata-se de uma responsabilidade por actos ilegais, estabelecendo o legislador uma presunção de culpa funcional que se cumula com a culpa pessoal.
A elaboração de um princípio de responsabilidade do Estado por actos lícitos ou pelo risco não era, ainda, admitida pela doutrina portuguesa.

Decreto-Lei nº 48 051, de 21 de Novembro de 1967

O Decreto-Lei nº 48 051, de 21 de Novembro de 1967, lançou as bases de uma nova regulamentação em matéria da responsabilidade extra-contratual do Estado, mediante a qual o legislador português abandonou a tese da subjectivização e passou a afirmar a responsabilidade objectiva do Estado. Como afirma Cabral de Moncada, “a objectivação da responsabilidade é, de facto, o cerne do regime que lhe corresponde no Estado Social de hoje. Longe vão os tempos em que, como no artigo 14º da Constituição portuguesa de 1822 apenas se responsabilizavam pessoalmente os funcionários por abuso de poder, noção eminentemente subjectiva”.

O Decreto-Lei nº 48 051 assenta na dicotomia entre actos de gestão privada e actos de gestão pública. Como explicita o Professor Freitas do Amaral: “pelos danos causados no desempenho de actividades de gestão privada, a Administração responde segundo o Direito Civil perante os tribunais judiciais, e pelos danos causados no exercício de actividades de gestão pública, a Administração responde segundo o Direito Administrativo perante os tribunais administrativos”.
Não existe nenhuma definição legal destes conceitos legal, mas é possível estabelecer critérios que os contrapõem. A gestão privada tem como critério a ideia de relação de igualdade. No exercício desta actividade o Estado despe a sua veste de ius imperii e estabelece relações com terceiros num plano de igualdade. Já a gestão pública tem como critérios as ideias de autoridade ou nexo de subordinação e do fim específico a prosseguir. Segundo Marcello Caetano “reveste a natureza de gestão pública toda a actividade da Administração que seja regulada por uma lei que confira poderes de autoridade para o prosseguimento do interesse público, discipline o seu exercício ou organize os meios necessários para esse efeito”.
Se as actividades que provocam danos a terceiros se integram na gestão privada, a entidade pública a quem pertence o órgão ou agente que actuou responde segundo as normas do Código Civil, particularmente a do art. 501º. O disposto neste artigo reflecte um significativo avanço relativamente ao direito anterior. De facto, a responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas públicas é ampliada aos danos provocados por órgãos ou por representantes dessas entidades. Para além disso, torna-se evidente a natureza objectiva (sem culpa) da responsabilidade do Estado e demais entidades públicas.
Quanto à responsabilidade extracontratual do Estado por actos de gestão pública regula o artigo 2º do Decreto-Lei n.º 48 051. Com este regime as actuações ilícitas e culposas envolvem uma responsabilidade da pessoa colectiva pública apenas quando o dano resulta do exercício das suas funções e por causa delas.

No Decreto-Lei em análise estatui-se um princípio geral de indemnização contrário à legislação de direito civil, expresso no artigo 562º do Código Civil. Enquanto na lei civil o princípio geral inerente à obrigação de indemnizar é o da restauração natural, o diploma em causa consagra o princípio da reparação pecuniária. Assim, enquanto a lei civil estabelece o dever de reconstituir a situação anterior à lesão, a lei administrativa apenas impõe o dever de pagar uma determinada quantia em dinheiro ao lesado.

O legislador do Decreto-Lei n.º 48 051 não se limitou a regular a responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas públicas por fatos ilícitos e culposos. De facto, consagrou pela primeira vez, com carácter geral, duas modalidades de responsabilidade objectiva: a responsabilidade pelo risco e a responsabilidade por actos ilícitos. Até aqui só existiam quando previstas na lei, ou seja, excepcionalmente.

A responsabilidade por factos ilícitos e culposos ocorre com a verificação de quatro pressupostos: facto ilícito, culpa, prejuízo e nexo de causalidade.
O facto ilícito tanto pode consistir num acto jurídico, em regra um acto administrativo, como num facto material, normalmente resultante da acção de agentes administrativos. O requisito da culpa pode envolver não só o dolo como também a negligência. A apreciação da culpa nos termos do artigo 4º é feita de acordo com o artigo 489º do Código Civil. Deste modo, a culpa atende à “diligência de um bom pai de família”, o que implica a análise do comportamento em termos de um homem médio e não de um órgão ou agente administrativo médio. Quanto ao prejuízo segue-se o entendimento de Marcello Caetano que considera que estão em causa tanto os danos materiais como os danos morais. O nexo de causalidade implica a conexão de causa-efeito entre o facto ilícito e culposo e o dano de terceiro que importa ressarcir.

Passemos à análise da responsabilidade pelo risco ou por factos causais, prevista no artigo 8º do Decreto-Lei n.º 48 051. Trata-se de um imperativo de justiça que quem retira vantagem de uma actividade deva correr os riscos a ela inerente. Refira-se, por exemplo, os danos provenientes de um acidente na execução de obras públicas.
A verificação desta modalidade de responsabilidade depende de dois requisitos: que os danos a indemnizar sejam especiais e anormais; e que esses danos resultem do “funcionamento de serviços administrativos excepcionalmente perigosos ou de coisas e actividades da mesma natureza”.

Abordemos, por fim, a responsabilidade por factos lícitos, estatuída no artigo 9º do Decreto-Lei n.º 48 051. Neste caso, a reparação não está ligada à antijuricidade de uma actuação nem ao risco inerente a uma actividade. A responsabilidade pelo dano causado licitamente baseia-se, segundo Marcello Caetano, na igualdade de repartição dos encargos públicos.
A Administração responde por dano causado licitamente verificados dois requisitos: a existência de um acto administrativo legal ou uma operação material lícita; e a verificação de um dano especial e anormal.

É possível, em primeira linha, apontar algumas falhas a este regime. Desde logo, a omissão ilícita não mereceu a devida atenção do legislador. Além disso, não é feita referência áquilo que a jurisprudência francesa do Conseil d’État designou por faute du service, ou culpa em serviço. Em causa estão situações que podem dar origem a danos em consequência do mau funcionamento generalizado do serviço administrativo. Acresce, ainda, que só o dano sentido na esfera jurídica de um indivíduo ou de um número restrito de indivíduos é passível de reparação, uma vez que se prevê apenas um dano singular ou especial.

Para além disso, o facto deste diploma ter na sua base a distinção entre gestão pública e gestão privada, é nas palavras de Vasco Pereira da Silva uma dicotomia “ilógica” e “injusta”. “Ilógica”, na medida em que tem por base uma ideia autoritária de Administração, regulada por um conjunto de normas “exorbitantes” e que intervém mediante actos de poder. Estas afirmações estão alheadas da realidade em que, de facto, o Estado passa a actuar não apenas através de actos, mas mediante uma grande variedade de meios, muitos deles favoráveis aos cidadãos. “Injusta”, uma vez que a ausência de critérios lógicos seguros de distinção entre gestão pública e gestão privada gera dúvidas quanto ao direito aplicável e ao tribunal competente, podendo mesmo o conflito negativo de jurisdição gerar uma denegação de justiça.

Constituição da República Portuguesa de 1976

As críticas ao Decreto-Lei 48 051 ganham relevo com a entrada em vigor da Constituição da República Portuguesa de 1976[3] que vem atribuir maior amplitude à responsabilidade civil do Estado. A partir desta data, passou a prever-se constitucionalmente a reponsabilidade das entidades públicas (artigo 21º, n.º 1, actual artigo 22º), a responsabilidade dos agentes e funcionários do Estado (artigo 271º) e o direito à indemnização dos cidadãos por danos sofridos (artigo 27º, nº 5 e artigo 21º, nº 2, actual artigo 29º, nº 6). Face à concepção de Estado de Direito é posta em relevo a desadequação do diploma em vigor, havendo mesmo quem considerasse a existência de uma inconstitucionalidade superveniente.

O artigo 22º CRP é aquele que demonstra com maior impacto a inconformidade da legislação infra-constitucional. Nele estatui-se um verdadeiro direito fundamental à reparação de danos, direito esse de natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias, à reparação dos danos. Amplia-se a responsabilidade directa do Estado, que passa a responder por qualquer dano provocado em direitos fundamentais dos particulares. Embora não seja expresso, conclui-se que os danos podem ser gerados a qualquer título, isto é, não apenas pelo exercício da função administrativa, mas também da legislativa e judicial. A responsabilidade do Estado aqui prevista é solidária com os órgãos, funcionários ou agentes. Toda esta lógica contraria a acima descrita quanto ao Decreto-Lei 48 051. Em síntese, este diploma responsabilizava o acto de gestão pública ilícito praticado apenas no exercício da função administrativa e a solidadriedade é bastante mais limitada.
A manutenção deste regime em vigor causou embaraços que a doutrina e a jurisprudência fizeram um esforço por superar. Autores como Gomes Canotilho, Vital Moreira e Jorge Miranda, sublinharam que o DL n.º 48 051 se deveria considerar em vigor apenas na medida em que não colidisse com a Constituição de 1976 e os preceitos e princípios nela consagrados.

Reforma do Contencioso administrativo de 2004

Com a reforma do Contencioso administrativo que entrou em vigor em 2004, deu-se um primeiro passo evolutivo na matéria de responsabilidade civil estadual, mediante a consagação da unidade jurisdicional. O ordenamento jurídico português passa a delimitar a competência dos tribunais administrativos e fiscais em razão da natureza das relações jurídicas em causa, sendo irrelevante a distinção entre actos de gestão pública e actos de gestão privada para determinar a jurisdição competente. Esta nova lógica advém do artigo 212º, nº 3 da CRP e do artigo 1º, nº 1 do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais[4].
De acordo com as alíneas g), h) e i, do nº 1, do artigo 4º do ETAF resulta inequívoco o regime de unidade jurisdicional referente ao contencioso de toda a responsabilidade civil pública, que passa a ser da competência dos tribunais administrativos. A alínea g) desta norma compreende a responsabilidade da Administração por actos praticados qualquer que seja a função por ela praticada. Assim, para efeitos processuais classifica-se como administrativa qualquer relação de responsabilidade civil pública, independentemente do órgão e do poder em que ele se encontra inserido. Por seu turno, na alínea h) faz-se referência à competência da jurisdição administrativa face à globalidade do contencioso da responsabilidade civil pública, considerando os danos causados por titulares de órgão, funcionários, agentes e demais servidores públicos. Por fim, a alínea i) alarga o regime de responsabilidade extracontratual não só aos casos de Administração pública sob forma privada, mas especialmente aos casos em que as entidades privadas colaboram com a Administração no exercício da função administrativa.
Todavia, apesar da importante inovação da unidade jurisdicional, manteve-se uma dualidade legislativa, não tendo a sido produzidas alterações no direito substantivo. Este facto conduziu à manutenção da necessidade de determinar o regime jurídico substantivo aplicável mediante a existência de acto de gestão pública ou um acto de gestão privada, o que parece ser um entrave à evolução que se começava a fazer sentir. Torana-se, então, preemente proceder à alteração do Decreto-Lei 48 051 e adaptação do regime substantivo à lógica sistemática do restante ordenamento jurídico.

A manifesta insuficiência do regime do DL n.º 48 051 face à lógica subjacente à reforma, fez com que Fausto de Quadros formulasse um conjunto de propostas actualizantes da responsabilidade do Estado administração. Segundo este Professor o artigo 22º da CRP é uma cláusula aberta, contemplando desde logo as tradicionais responsablidades do Estado-Legislador, do Estado-Administrador e do Estado-Juiz que deveriam ser concretizadas numa lei especial. Para além destas seria também de atender à responsabilidade por exercício de outras funções, como por exemplo da função política ou de condução das relações externas do Estado. Esta proposta vai ser tida em conta pelo legislador aquando da produção da Lei n.º 67/2007. Porém, alguns dos aspectos referidos pelo Autor não conhecem concretização legislativa, como seja a lógica de inversão do ónus da prova.


IV. Sistema actual: Lei n.º 67/2007 actualizada pela Lei n.º 31/2008

Enquadramento

O Decreto-Lei n.º 48 051 datava dos anos 60 e por isso impunha normas anteriores às mudanças jurídicas introduzidas pela Constituição, a reforma e as próprias directivas da União Europeia, aspecto que iremos analisar no ponto seguinte. Consequentemente não eram já normas normas que se coadunassem com a actual realidade do universo da responsabilidade extracontratual. Consciente desta desadequação, o legislador português, inspirado pela discussão doutrinal, iniciou um processo de tentativa de alteração do regime vigente. Desde 2001 que foram feitas várias propostas, mas só em 2006 é que foi aporvada por unanimidade na Assembleia da República a Proposta de Lei n.º 56/X. O veto político do Presidente da República exigiu uma reapreciação pela Assembleia da República da referida proposta que deu posteriormente origem à Lei n.º 67/2007.

Embora a expectativa face a esta lei fosse a de estabelecer um regime estável, o facto é que decorridos menos de seis meses sobre o início da sua vigência, este diploma sofreu uma alteração introduzida pela Lei n.º 31/2008, de 17 de Julho. Com esta lei altera-se, com efeitos retroactivos, o artigo 7º, nº 2 do regime anexo à Lei n.º 67/2007, em matéria de responsabilidade civil por danos decorrentes do exercício da função administrativa. Esta alteração resulta do desfecho da segunda acção por incumprimento intentada pela Comissão contra Portugal no Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, relacionada com a transposição da Directiva “recursos”.

Análise desenvolvida do novo regime

A Lei n.º 67/2007 vem finalmente estabelecer unidade legislativa quanto à matéria da responsabilidade extracontratual, pondo em prática relativamente ao sistema substantivo aquilo que já tinha ocorrido no plano processual. Analisaremos este diploma de acordo com a estrutura em que se encontra organizado, reconhecendo alguns traços do regime legal revogado, mas sublinhando os traços inovadores.

No Capítulo I é feita referência às “Disposições Gerais”. É no artigo 1º que se procede à concretização prática do princípio geral de responsabilidade patrimonial das entidades públicas, consagrado no artigo 22º CRP. Nesta disposiçõa verifica-se uma verdadeira concretização do que foi acima expoto quanto às alíneas g), h) e i, do nº1, do artigo 4º do ETAF.
No artigo 2º estabelece-se a definição de danos ou encargos especiais e anormais, sendo que os primeiros incidem apenas sobre uma pessoa ou grupo de pessoas, enquanto que os segundos ultrapassam os custos da própria sociedade. No Decreto-Lei n.º 48 051 esta distinção operava no âmbito da responsabilidade pelo risco, enquanto que na lei actual esta dupla limitação aplica-se apenas no quadro da indemnização pelo sacrifício.
O artigo 3º é uma disposição geral relativa à obrigação de indemnizar, devendo ser conjugada com as regras especiais deste diploma e as regras do Código Civil do artigo 562º e seguintes. Ao contrário do que acontecia no Decreto-Lei n.º 48 051, o princípio geral quanto à indemnização passa a ser o da reparação natural, exigindo-se a reposição das coisas no estado em que estariam se não tivesse ocorrido o dano. Desta forma, a indemnização em dinheiro ganha um carácter subsidiário.
O disposto no artigo 4º determina o princípio da culpabilidade ou de co-responsabilidade resultante de facto imputável ao próprio lesado, atribuindo ao tribunal a faculdade de conceder, reduzir ou excluir a indemnização com base na gravidade das culpas concorrentes de ambas as partes.
A prescrição está prevista no artigo 5º, sendo feita uma remissão para o artigo 498º do Código Civil. Já o exercício do direito de regresso nas relações internas, estatuído no artigo 6º, adquire carácter obrigatório nas situações previstas no presente diploma.

O Capítulo II trata da “Responsabilidade Civil por danos decorrentes do exercício da função administrativa”.
A secção I regula a “Responsabilidade por facto ilícito”. Neste ponto verificam-se várias alterações. No artigo 7º determina-se a responsabilidade exclusiva do ente público relativamente a danos cometidos com culpa leve, sendo este um termo novo. Por concretização da Directiva n.º 89/665/CEE, impõe-se no nº 2 a obrigação de atribuir indemnizações por violação do direito comunitário no âmbito do procedeminto pré-contratual de direito público.
A previsão do artigo 8º é a da responsabilidade solidária do Estado e demais entidades públicas com os titulares de órgãos, funcionários ou agentes quando o dano resulte de acções ilícitas cometidas com dolo ou culpa grave no exercício das suas funções e por causa desse exercício. O objectivo da solidariedade é a solvidade da dívida face ao lesado, embora implique o direito de regresso do Estado.
O artigo 9º atribui um conceito mais abrangente de ilicitude, fazendo, pela primeira vez, referência expressa a danos resultantes de não só de acções, como também de omissões ilícitas. Para além disso, passa a incluir os danos resultantes do funcionamento anormal dos seus serviços, ou seja, faute du service. Verifica-se, ainda, a interconexão entre a violação de normas e princípios com a ofensa de direitos ou interesses de outrém, sendo essencial o desvalor da conduta quanto ao resultado.
A apreciação da culpa estatuída no artigo 10º, já não ocorre de acordo com o Código Civil, mas sim por um novo critério, sendo que o que releva é a “diligência e zelo que seja razoável exigir, em função das circunstâncias de cada caso, de um titular de órgão, funcionário ou agente zeloso e cumpridor”. Assim, o novo conceito de culpa não tem já como padrão de referência a diligência exigida ao bom pai de família, mas sim ao titular médio de órgão ou funcionário médio.
Nesta matéria matém-se a aplicação da regra do artigo 497º do Código Civil quando existe uma pluralidade de responsáveis.
A Secção II estatui a “Responsabilidade pelo risco” apenas no artigo 11º. A primeira inovação face ao regime revogado é a da exclusão do limite indemnizatório por exigência de prejuízos especiais e anormais. A segunda reflecte-se na relevância prática atribuída ao facto culposo de terceiro. Quando um facto culposo de terceiro concorra para a produção ou agravamento dos danos, o Estado e as demais pessoas colectivas públicas respondem solidariamente com o terceiro, sem prejuízo do direito de regresso. Mantém-se intacta a referência aos danos decorrentes de serviços, coisas e actividades especialmente perigosas como fontes da responsabilidade pelo risco, salvo se se provar que houve força maior ou culpa do lesado.

No Capítulo III prevê-se a “Responsabilidade civil por danos decorrentes do exercício da função jurisdicional”, sendo esta matéria, ela própria, uma inovação de grande relevo, em consonância com o princípio consagrado pelo artigo 22º da Constituição.
No artigo 12º estende-se ao domínio da administração da justiça o regime da responsabilidade civil da Administração. Porém, especificam-se duas ressalvas nas quais a lei desenvolve um regime próprio: o erro judiciário e a matéria relativa aos magistrados judiciais e do Ministério Público. Ainda nesta norma refere-se o princípio da razoabilidade da duração do processo, igualmente estatuído no artigo 20º, nº 1 da CRP, no artigo 6º da Convenção dos Direitos do Homem e no artigo 2º, nº 1 do CPTA. A indemnização visa ressarcir as consequências económicas negativas que ocorrem na esfera jurídica dos particulares mediante a violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva prevista no artigo 268º, nº 4 da CRP.
O erro judiciário encontra-se regulado no artigo 13º. A responsabilidade por erro judiciário estipula que o Estado é civilmente responsável pelos danos decorrentes de decisões jurisdiciais manifestamente inconstitucionais, ilegais ou injustificadas por erro grosseiro na apreciação dos respectivos pressupostos de facto. É possível enunciar, a título de exemplo, a indemnização por privação da liberdade (artigo 27º, nº 5 CRP) e a indemnização por condenação penal injusta (artigo 29º, nº 6 CRP). O pedido de indemnização deve ser fundado na prévia revogação da decisão danosa pela jurisdição competente.
A regulamentação da responsabilidade dos magistrados encontra-se no artigo 14º, prevendo-se que estes não podem ser directamente responsabilizados pelos actos que pratiquem no exercício da respectiva função, sem prejuízo do direito de regresso do estado quando haja dolo ou culpa grave. Esta solução justifica-se pelo princípio da irresponsabilidade do juiz estatuído no artigo 216º, nº 2 da CRP. Este princípio significa que os juízes, enquanto titulares de órgão de soberania, não podem ser responsabilizados pelas suas decisões, sob pena de poderem encontrar-se sujeitos a restrições ilegítimas face ao seu dever de julgar. O exercício do direito de regresso sobre os magistrados está condicionado a uma prévia decisão do órgão competente para o exercício do poder disciplinar que o poderá adoptar a título oficioso ou por iniciativa do Ministério de Justiça.

O Capítulo IV refere-se à “Responsabilidade por danos decorrentes do exercício da função político-administrativa” regulada apenas no artigo 15º, sendo esta consagração mais uma vez elemento da inovação. Nesta norma estabelece-se a responsabilidade do Estado e das Regiões Autónomas pelos danos anormais que causarem aos direitos ou interesses legalmente protegidos dos cidadãos.
A função legislativa aparece aqui intimamente relacionada com a acção política. Porém, é de notar que os deputados não podem ser responsabilizados pela sua intervenção no processo legislativo quando se reconduza à mera formulação de votos ou opiniões[5].
A norma em causa prevê no seu nº 1 a responsabilidade por actos desconformes à CRP, ao direito internacional, ao direito comunitário ou a acto legislativo de valor reforçado. Para além disso, estatui-se nos números 3 e 5 a responsabilidade por omissão de providências legislativas necessárias para tornar exequíveis normas constitucionais. Para tanto, é necessária a condição de prévia verificação de inconstitucionalidade por omissão pelo Tribunal Constitucional. O nº 4 permite avaliar a responsabilidade atendendo às circunstâncias do caso concreto. A última novidade que resulta do nº 6 é a possibilidade de fixar equitativamente a obrigação de indemnizar em montante inferior quando os lesados forem em tal número que, por razões de interesse público, se justifique a limitação do âmbito daquela obrigação de indemnizar.

O Capítulo V do diploma em análise refere a “Indemnização pelo sacrifício”. Esta indemnização reporta-se à imposição de encargos ou danos especiais ou anormais causados por razões de interesse público e independentemente da função do Estado em causa. Para o cálculo da indemnização deve atender-se ao grau de afectação do conteúdo substancial do conteúdo ou interesse violado ou sacrificado. O regime ora consagrado aproxima-se e retoma, em parte, o disposto no artigo 9º do Decreto-Lei n.º 48.051.

Analisado com todo o pormenor o regime jurídico actualmente em vigor, resta considerar a influência do Direito Europeu na sua formação e apresentar-lhe algumas críticas, embora se tenha sempre presente a importância desta regulamentação.


V. Breve abordagem da questão à luz do direito europeu

Portugal, tal como qualquer outro Estado membro da União Europeia, encontra-se vinculado à aplicação do princípio comunitário da responsabilidade civil extracontratual por incumprimento. Esta responsabilidade existe quando se verifique uma situação de incumprimento estadual e estiverem preenchidos os requisitos cumulativos fixados pela Jurisprudência do Tribunal de Justiça. São, no entanto, conhecidos poucos casos de responsabilidade do Estado português por incumprimento do Direito da União Europeia. Os casos existentes são quase todos relativos à função legislativa, por incorrecta transposição de directivas ou omissões legislativas.
Não obstante a relevância do princípio da tutela jurisdicional efectiva e o dever, por parte dos Estados membros, de garantir ao particular o direito a um recurso efectivo, verificam-se algumas falhas. Na prática, a garantia de efectivação de um direito decorrente da Ordem Jurídica comunitária e a possibilidade de reparar a violação do Direito Comunitário por vigência de uma lei interna com ele desconforme são insuficientes.
O princípio da responsabilidade dos Estados membros por incumprimento do Direito Comunitário não nasceu com os Tratados, mas sim da jurisprudência criadora do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias. Desta forma, visa-se tutelar os direitos que os particulares podem retirar do Direito Comunitário em caso de incumprimento estadual e, sobretudo, quando não podem fazer-se valer do princípio do efeito directo vertical. Este princípio surge precisamente para não deixar sem tutela os particulares num caso de incumprimento por falta de transposição de uma directiva comunitária. Sem transposição, estas normas não podiam ser invocadas pelos particulares contra o Estado no tribunal nacional competente. Face a esta situação é possível recorrer ao Tribunal Eurpeu mediante o efeito directo vertical.
O princípio da responsabilidade dos Estados membros por incumprimento do Direito Comunitário e respectivos requisitos é consequência do caso Francovich, sendo objecto de desenvolvimento em acórdãos posteriores. Neste acórdão, o tribunal de Justiça não só afirmou que o princípio em causa é inerente ao sistema do tratado como afirmou ainda que o direito à reparação tem o seu fundamento directo no direito comunitário. Além disso, o tribunal afirmou que os requisitos da responsabilidade do Estado membro por incumprimento referem-se essencialmente ao facto da directiva atribuir direitos aos particulares. O conteúdo destes direitos pode ser identificado com base nas disposições da directiva e a existência de um nexo de causalidade entre a violação da obrigação que incumbe ao Estado e o dano sofrido pelas pessoas lesadas.
Maria José Mesquita considera que a Lei nº 67/72007, que introduziu o novo regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e das demais entidades públicas, nasceu desconforme com o Direiro da União Europeia, em violação quer do princípio da lealdade comunitária, na sua vertente negativa, quer do princípio do primado, quanto ao seu efeito “bloqueador” ao impedir a formação válida de novos actos legislativos nacionais, na medida em que sejam incompatíveis com normas comunitárias. Esta desconformidade manifesta-se pelos danos causados no exercício da função administrativa, na função jurisdicional e na função político-legislativa.
Quanto à responsabilidade do Estado por incumprimento decorrente do exercício da função administrativa, a alteração ao artigo 7º número 2 pela Lei de 31/2008, veio criar uma incoerêncoa estrutural quanto à articulação entre o novo regime e o Direito da União Europeia. Esta alteração parece pressupor que o princípio comunitário da responsabilidade estadual por incumprimento, apenas teria aplicação no caso previsto no número 2 do artigo 7º, não tendo aplicação nos demais casos de responsabilidade estadual. Pelo contrário, este princípio tem plena aplicação relativamente à actividade de todas as funções do Estado. A alteração registada gera uma situação de incerteza jurídica quanto ao teor do regime comunitário da responsabilidade aplicável, isto por contemplar uma remissão genérica para os requisitos fixados no Direito Comunitário.
Em relação à responsabilidade no exercício da função jurisdicional, a desconformidade consiste na exigência de prévia revogação de decisão danosa pela jurisdição competente, enquanto fundamento do pedido de indemnização decorrente de responsabilidade por erro judiciário. Isto porque os requisitos comunitários fixados pela jurisprudência do Tribunal de Justiça são suficiêntes para instituir em benefício dos particulares um direito à reparação.
Em relação à desconformidade do regime da responsabilidade por danos decorrentes do exercício da função política-legislativa pode apontar-se, em primeiro lugar, a ausência da referência expressa à responsabilidade do Estado por omissão de actos legislativos de transposição ou execução de actos da União Europeia. Em segundo lugar, é de apontar a fixação do carácter anormal do dano enquanto requisito da responsabilidade e da obrigação de indemnizar.
Para superar estes incumprimentos, vários são os meios existentes na ordem jurídica comunitária para garantir a aplicação do Direito Comunitário, bem como aferir e sancionar tal incumprimento, como a apresentação de uma queixa à Comissão ou a instauração de um processo por incumprimento comum pela Comissão ou outro Estado membro.

VI. Análise crítica

Em conclusão, podem ser apresentadas algumas críticas ao novo regime de responsabilidade extracontratual do Estado.
No entender de Vasco Pereira da Silva, a Lei de 67/2007, alterada pela Lei 31/2008 ficou aquém das expectativas, por duas grandes razões. A primeira diz respeito ao facto de o artigo 1º, nº 1 se aplicar aos “danos resultantes do exercício da função legislativa, jurisdicional e administrativa”, harmonizando o regime substantivo da responsabilidade civil com o regime jurisdicional. Embora na teoria isto parecesse o mais correcto de acordo com a respectiva reforma do contencioso administrativo, na prática não funciona bem. Relativamente à segunda crítica, afirma-se que a dualidades legislativa não põe termo à distinção entre gestão pública e gestão privada, que há muito não faz sentido. O artigo 1º, nº 2 da Lei 67/2007 diz que “correspondem ao exercício da função admistrativa as acções e omissões adoptadas no exercício de prerrogativas de poder público ou regulado por disposições ou princípio de Direito administrativo”. A referência aos princípios de Direito Administrativo, faz corresponder a toda a função administrativa, enquanto que a expressão “prerrogativas de poder público” , parece tentar demostrar uma distinção entre o regime de gestão pública e o regime de gestão privada.
Também no entender de Maria José Mesquita o novo regime apresenta falhas, tais como o não acolhimento do regime de execução de sentença para pagamento de quantia certa consagrada congrado no artigo 170º, nº 2 do CPTA; a previsão da concessão de indemnização por violação de norma do procedimento de formação dos contratos referidos no artigo 100º CPTA, excluíndo outros relevantes; a pouca clareza direito de regresso sobre os magistrados; a dependência de prévia verificação da inconstitucionalidade por omissão pelo Tribunal Constitucional para que seja possível a responsabilidade por omissão de providências legislativas. Tal pode dificultar o direito fundamental de acesso ao direito e aos tribunais disposto no artigo 20º CRP.
Outra crítica relevante levantada por esta Autora, diz respeito ao facto de a Lei nº 67/2007 não prestar a atenção devida ao Direito da União Europeia. Em termos materiais, confere ao princípio da responsabilidade extracontratual do Estado um âmbito mais reduzido do que o da Direito da União Europeia. Em termos processuais, dificulta a efectivação do princípio e a obtenção da indemnização através dos tribunais estaduais competentes.
Em nossa opinião, embora a aprovação deste regime seja um marco importante de tutela dos particlares, as curvas e contra-curvas deste caminho tornaram o percurso muito mais longo do que o necessário. Apontamos como elemento negativo o desrespeite pelo Estado de Direito espelhado no interminável período de tempo sem regulamentação específica e actual da responsabilidade civil extracontratual no Estado Português, ao invés do exemplo espanhol.

VII. Bibliografia

- AMARAL, Freitas do, “Direito Administrativo”, volume III, lições policopiadas, Lisboa.
- CADILHA, Carlos Alberto Fernandes Cadilha, “Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas - Anotado”, Coimbra Editora, 2008.
- GARCIA, Maria da Glória Ferreira Pinto Dias “A Responsabilidade civil Estado e demais pessoas colectivas públicas” , Conselho Económico e social, Lisboa, 1997.
- LECHUCOS, Javier Jimenez, “La Responsabilidad Patrimonial de los Poderes Públicos en el Derecho Español”, Monografias Jurídicas, 1ª edição, 1999.
- MAYOL, Vicent Garrido, “La responsabilidad Patrimonial del Estado”, Tirant Monografias, 1ª edição, Valencia, 2004
- MESQUITA, Maria José Rangel de, “O Regime da Responsabilidade Extracontratual do Estado e demais entidades públicas e o Direito da União Europeia”, Almedina, 2009.
- MONCADA, Luís Cabral, “A Responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas”, in Estudos em Homenagem ao Professor Marcello Caetano, 2006.
- MOUZINHO, André, “O novo Regime de responsabilidade civil Extracontratual do Estado”, Compilações doutrinais Verbo Jurídico, 2008.
- QUADROS, Fausto, Colóquio “A Responsabilidade civil extracontratual do Estado”, trabalhos preparatórios da Reforma, Gabinete de Política Legislativa e Planeamento, Coimbra Editora, 2001.
- SILVA, Vasco Preira da, “O Contencioso Administrativo no divã da psicanálise”, Almedina, 2ª edição, 2009.
[1] Na Alemanha com a Constituição de Weimar de 1919, nos E.U.A. com o Federal Torts Claims Act de 1946, em Inglaterra com o Crown Proceedings Act de 1947 e em França por via jurisprudencial.
[2] Nas palavras de Vasco Pereira da Silva.
[3] A partir de agora referida mediante a sigla CRP.
[4] A partir de agora referido mediante a sigla ETAF.
[5] Artigo 157º CRP e artigo. 10º do Estatuto dos deputados (Lei 34/87).

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